A música pop dos últimos anos tem muitos motivos para ser sinônimo de prostituição artística. Isso é
perceptível quando os comentários negativos acerca de algum novo lançamento
gira em torno de frases como "isso tá muito pop" ou "se vendeu
ao pop" já que nós internalizamos a ideia de que esse tipo de música é uma
tentativa mercadológica de estar relevante e vender mais rapidamente. A ideia
da prostituição artística que a maioria tem, nasce da inversão de foco: o que
antes era produzido em nome da arte, agora é em busca de dinheiro e holofote
para a construção quase mítica que dita comportamento, estilo e modo de agir: o
ícone pop.
É dentro
desse universo da iconicidade pop que o astro Harry Styles surge. Vindo de uma boyband (One Direction) que explodiu
mundialmente pelas mãos de Simon Cowell e a visibilidade de um reality show
musical, o inglês tem todos os requisitos para um popstar: jovem, bonito e carismático. E é
apenas isso que importa ao mundo da iconicidade pop: o astro, não o que ele,
necessariamente, produz. A música é menor que o ícone.
Essa visão
pragmática vinda da indústria musical pop e que, com razão, não é bem vista por
quem defende a música como Arte e, por esta razão, suficiente, foi o que moldou
os comentários maliciosos acerca do primeiro disco solo do garoto da terra da
Rainha: "pra que dá valor a um menino de boyband que faz música
comercial?" era a indagação de quase todos os que não eram fãs da One
Direction.
O mais
surpreendente de tudo é que, consciente ou não, Styles surpreendeu a todos: fãs
e haters.
Enquanto que
grande parte dos fãs (e todos os haters) esperavam uma típica continuação
sonora da banda, o inglês nos entrega um material nostálgico e com raízes no
rock clássico sessentista/setentista, rendendo hits que poderiam ser
confundidos com alguma música da Rolling Stones. Com isso, cai abaixo o
argumento de estratégia mercadológica: o som do álbum autointitulado arrisca
com o carisma da base de fãs e se propõe a explorar terrenos do pop-rock
oitentista ("Ever since New York"), "rock clássico("Kiwi"),
country, blues/bluegrass ("Only Angel") e elementos de
balada folk ("From the Dining Table"), tematizando letras que
vão de desilusões amorosas até a história poderosa de uma mãe que acabara de
dar a luz e morre no parto ("Sign of the times"), mostrando a
vulnerabilidade e exposição criativa do músico. Toda surpresa gerada e
repercutida com esse álbum de estreia nos leva a algumas perguntas: o que
acontece quando somos confrontados com o fato de que a música pop, em sua
estrutura e áurea mítica, despida do caráter mercadológico a ela empregada nos
últimos anos, é na verdade o que embala os melhores momentos de nossas
vidas?
E mais
ainda: o que acontece quando nos damos conta de que música de verdade pode vir
dos lugares mais inesperados, como por exemplo, de um garoto de boyband descoberto em
reality show?
Harry Styles
permanece um ícone pop e sua música é, em essência, popular, mas agora a
preocupação não se concentra apenas em com quem ele sai ou qual seu novo corte
de cabelo; agora, de verdade, paramos para ouvir o que o garoto de rostinho
bonito tem a nos dizer.
NOTA: 4/5
Ouça você mesmo: