Ás vezes a arte é em si mesma ambígua, digo isso porque o modo
artístico parece algo que mora numa constante tensão entre querer falar e o
medo de se expressar.
Pensando nesse jogo de opostos, somos convidados a entrar no
quarto de Rodrigo Teles, ou melhor, Telwa e, por vezes, de maneira constrangida,
ouvir seus relatos de exposição e medo por ser ouvido.
“Quarto” possui sete faixas gravadas de forma caseira, o que dá ao EP um
selo l0-fi, e faz ainda mais:
aprofunda o aspecto de vulnerabilidade emocional e imersão no conceito da obra,
que é a de nos fazer entrar no mundo do artista; isso é sentido não apenas
pelas letras e arranhões em cordas de violão, mas até nas aparentes fendas
abertas como a voz rouca e às vezes sem força, os arranjos violentos de
guitarra com acordes quebrando o padrão, ou o som de notificação do celular no
meio de uma das canções. Tudo é vulnerável em quarto e, definitivamente, não dá para ouvir sem sentir, de fato,
como se estivesse ao lado do músico, ouvindo suas histórias.
Medo, a primeira canção não poderia estar em outro lugar dentro da
sequência por apresentar conceitualmente o que estamos prestes a ouvir: o medo
de crescer.
Entre sussurros e arranjos de violão, há honestidade em admitir a
vontade de entrar no quarto, seu mundo, e ali continuar por não se sentir pertencido
em nenhum outro lugar.
O medo do que está lá fora, porém, nasce do que já ocorre dentro,
como se percebe ao ouvir “argila”,
canção que exprime a analogia entre a argila, pesada e a folha, leve. O que se
faz quando se é folha de argila que quer voar, mas sente-se pesado? O medo de
sair do quarto é a percepção de que não tem forças para sair.
As imagens construídas ao longo da narrativa do artista nos fazem
perceber essa constante busca por ser livre quando se tem medo do que tem
lá fora. Ainda nessa linha de pensamento, “Abriu”
surge com a metáfora do corpo que só cresce na dor, para obviamente falar
sobre aceitar o processo doloroso de amadurecer.
Logo em seguida somos presenteados (sim, PRESENTEADOS) com “Prece” que é, para mim uma das mais
bonitas canções do EP, se não a melhor. “Prece”
é a canção mais bem construída da obra em todos os aspectos: possui
arranjos belíssimos de violão, percussão e de brinde ganhamos um som de chuva
como que fazendo parte do universo musical.
“Prece” é um pedido cansado e melancólico de catarse (conceito grego sobre
tragédia, em que o objetivo das tragédias eram a de extravasar todas as emoções
de forma explosiva), aqui percebe-se a vontade de vomitar todas as dores
acumuladas, para enfim se ver livre. Porém, o preço que se paga é o de reviver
as dores ao colocá-las para fora.
E por esta razão que a chuva que “desafoga” em “Prece” inicia “Agente junto”, porque
aqui há uma confissão banhada por lindos arranjos de violão, do que já se
viveu, e reviver é parte de crescer, mesmo que doa.
“Se”, diferente dos arranjos frescos de violão de nylon, inicia com o distorcido
de uma guitarra elétrica fazendo acordes dedilhados, versando acerca das tensões
de se enxergar em tempos difíceis e acreditar, baseado na fé, que as coisas
podem melhorar. A música aos poucos vai crescendo e torna-se grandiosa, quase
como um grito. “Se” é desespero por
respostas. Catarse pura.
Desse desespero causado pelos medos iniciais somado à poucas luzes
de esperança, desaguamos na última canção
do EP, uma das mais incríveis e bonitas da obra toda: “Acordar”.
Diante de toda a narrativa que vai do medo do desconhecido até a
conformidade em aceitar as dores como processo de crescimento, nos deparamos
com uma aparente disposição de “sair” do quarto existencial do músico. A
madrugada passa e o dia avisa novas oportunidades. A vontade é aparente porque, o que se admite é
que o lar, o lugar de pertencimento nunca existirá, como explicado nas letras a
seguir: “da cama, o parente mais chegado
foi o ventre da minha mãe/ às vezes faz pensar/que falta pra sair de lá/ eu vou
voltar pra mim/eu vou voltar pra lá”.
Apesar da tensão constante, da vontade de fugir dos lugares em que
a alma não comporta, a voz lírica nos confirma em grito de esperança “eu não posso correrr pra sempre”,
enquanto a música ganha contornos de grandiosidade com violões em guitarras,
que o sol pode estar nascendo dentro dos lugares escuros do quarto do Telwa.
Ao sair do “Quarto”, depois
de nos enxergamos como confidentes de questionamentos dolorosos e existenciais
de Telwa, percebemos que o que foi expresso em contornos de vulnerabilidade
pelo baiano são verdades embaraçadas não apenas por ser de outro alguém, mas por
serem muito familiares a nós. Talvez a maior surpresa desse conceito artístico
de exposição é que em arte sempre podemos ser lidos. Talvez, por essa razão, ao
entramos no quarto de Telwa, tenhamos percebido que também estamos nos nossos.
NOTA: 3,8/5
Confere aí:
NOTA: 3,8/5
Confere aí:
Que detalhes, que leveza e carinho enquanto descreve as ccanções. Me senti bem representado com o "Quarto" e mais leve ao ler tamanha crítica.
ResponderExcluirUm forte abraço e um beijo em sua alma linda, menina Thaínes.