quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

STARLET (2012) E A BELEZA DO ENCONTRO ENTRE DUAS SOLIDÕES



Estou desde novembro do ano passado ansiando assistir "The Florida Project" depois que li a recomendação do Pablo Villaça do Cinema em Cena e de me apaixonar pelo trailer que já denuncia o quanto que a história e a fotografia são lindas. Por esta razão fui atrás de outros filmes do diretor que seguissem o mesmo estilo e encontrei, em amor à primeira vista, Starlet, filme dirigido pelo talentoso Sean Baker. 
Eu não entendo de cinema, e esse é um ponto que deve ser bem claro pra você que está me lendo. Como falei várias vezes, o objetivo desse blog é evidenciar no mundo das canções, livros e filmes, o que me toca ao ponto de me fazer perder algumas horinhas de vida escrevendo um texto em homenagem. E Starlet, numa madrugada de quarta-feira, início de 2018, definitivamente mereceu minhas quase duas horas de vida. 



A história segue uma estrutura que, à princípio, aparenta ser clichê: uma jovem de 21 anos chamada Jane(Dree Hemingway, SIM A BISNETA DO ERNEST HEMINGWAY), que tem um cachorrinho chamado Starlet - daí o nome do filme - atriz pornô (aos poucos nós vamos percebendo isso) decide reformar o quarto do lugar onde vive mais uma amiga, também atriz pornô e o namorado dela. Para isso, com pouco dinheiro, vai em vários bazares de quintais, que é basicamente quando as pessoas vão doando por um preço muito baixo objetos ou móveis de casa. Numa dessas feiras, compra uma garrafa térmica (que de tão bonita, segundo ela mesmo, funciona mais como um vaso de flores) de uma idosa de quase noventa anos chamada Sadie (Besedka Johnson).





















Até aí tudo bem, o filme não dá indícios de que a verdadeira história começa nesse plot, já que estruturalmente há muita improvisação e posições de câmera que mais lembram documentário, sem ênfase suficiente nas pessoas envolvidas, por exemplo, na sequência dos bazares. A coisa começa a funcionar no momento em que Jane percebe que dentro da garrafa térmica há muito dinheiro e, interessada naquilo, começa a gastá-lo e para aliviar a consciência decide conhecer a senhora Sadie, antiga dona da garrafa e proprietária do dinheiro, e a fazer-lhe pequenos favores, que são recebidos com estranheza pela idosa, à priori, mas que aos poucos vão sendo pistas para a profunda relação que elas construirão.  

Terminei de assistir com meu coração carregado e com os olhos prontos pra chorar, uma sensação de que Jane e Sadie, na verdade eram minhas amigas; pessoas por quem nutri um carinho muito especial. Talvez a "culpa" seja da forma primorosa em que o filme é construído; por vezes a gente sente que é um documentário de tão real, as personagens são tão palpáveis, sensíveis, cheias de camadas e ao mesmo tempo é tudo muito cinematográfico: a fotografia, a trilha sonora, o vento batendo no cabelo de Jane, as atuações REAIS... Sem palavras. Nutri afeto por Sadie e Jane, da mesma forma que nutri pelos protagonistas de "Ensina-me a viver": pessoas tão diferentes, mas cada uma fazendo na vida da outra o preenchimento de solidão e exatamente este o ponto principal da obra: o encontro entre duas mulheres afagando suas vidas solitárias com a presença da outra.


Sadie já idosa sentia uma enorme falta do amor de sua vida e ocupava seus dias em afazeres tão banais, mas que guardavam um grande significado, já que eram os pontos em que se segurava existindo e Jane em toda a sua juventude, veio para colorir sua vida, encher de alegria, de vontade de viver. Isso é lindamente evidenciado pela fotografia com o  amarelo de seus cabelos (que combinam perfeitamente com o tom ensolarado do filme) como um sol, o que funciona também na fala de Jane para Sadie ao fim do filme quando percebeu que a companhia de seguros cortara a árvore da amiga: "ficou bom. Dá pra ver o sol entrando", uma metáfora do que o relacionamento das duas tinha se tornado, já que para Jane, Sadie também veio como sol. Jane, essa garota que na falta da mãe, não encontra amparo emocional em ninguém além de seu cachorro, Starlet, enxerga em Sadie, apesar de toda a culpa pelo que fizera, uma maneira de se descobrir amada e valorizada pelo que é e não apenas pelo que oferece. No fim, o silêncio é usado como a única explicação possível para o encontro de duas pessoas tão distintas, mas tão iguais em condições de busca de significado e solidão. Não era mais sobre dinheiro, não era mais sobre mentiras , era algo muito mais profundo e bonito que elas entenderam ser só explicado em contemplação. Entrou pra lista dos mais bonitos filmes da minha vida e me fez ter mais vontade ainda de conferir o outro trabalho de Baker em The Florida Project que provavelmente estará no Oscar e em tantos outros prêmios este ano. 




Nota: ***** (excelente!)

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