sábado, 23 de julho de 2016



Um dos motivos de escrever neste blog é que a minha relação com música se faz de forma muito visceral e sinestésica; por vezes uma canção me traz um acalento na alma de forma tão profunda que a sensação se assemelha muito com pedaços de dias bonitos que já vivi, com fagulhas de cheiros bons que já senti, com sons familiares que me fazem lembrar de bons sorrisos sinceros. É exatamente dessa forma sinestésica que eu me relaciono com The Oh Hellos, uma banda de folk/folk-rock que mais se parece com um coletivo artístico de bons amigos que carregam em suas músicas um peso quase espiritual que nos faz transcender. Encabeçado pelos irmãos Maggie Heath e Tyler Heath juntamente com um grande número de (geniais!) instrumentistas que adicionam em sua musicalidade duas baterias, um baixo elétrico, acordeon, violinos, banjos, bandolim, guitarras distorcidas e violões e com tudo isso fazem um som completamente original.
Essas sensações experimentadas que citei, na maioria das bandas, ocorrem, geralmente, nas produções dos álbuns em estúdio, porque é ali o veículo onde o público consome a identidade, fruto e trabalho do artista. Com The Oh Hellos é bem diferente, o som ao vivo da banda é quase uma epifania musical, é ali, no palco, com os ruídos de amplificadores e microfones que vemos toda a trupe agindo em seu mais significativo fruto: explosão apaixonada. (isso pode ser visto, por exemplo,  ao vivo nesse show no Front Row Boston  clique aqui para assistir!).



Acredito que para um artista merecer o título que carrega, precisa, essencialmente de dois ingredientes principais na sua arte: beleza e verdade. Não há como Arte ostentar inicial maiúscula sem a beleza - sim, um conceito relativo, mas que tem pontos em comum a todos que apreciam - e também não há como essa beleza ser transmitida sem o princípio da verdade ou da autenticidade: mais do que viver o que canta, cantar o que já vive, como diz o Tiago Arrais em suas entrevistas: "a vida precede a música". E está aí neste princípio duplo de beleza e verdade que as produções da banda texana de folk se sustenta, em minha opinião.
Os trabalhos em estúdio do grupo não são inferiores ao concertos ao vivo, e acredito que não exista essa dicotomia para The Oh Hellos, sua produção em álbuns é, na verdade, reflexo do que acontece no palco: há paixão, vida e explosão em cada faixa dos discos.A vida existe antes da música e reflete nela. Tive o prazer de ouvir o primeiro disco, o recente álbum Dear Wormwood (2015) e algumas músicas do EP de natal, mas acredito que não há fruto mais bonito da banda até agora do que o esplendoroso Through the deep dark valley (2013) que terei oportunidade de escrever futuramente, mas absolutamente todos carregam esses princípios que defendo para apreciar alguma obra artística. 
Um dia ao conversar com uma prima minha com quem compartilho essas explosões sinestésicas em música descrevi essa banda com essa analogia que adaptei para este espaço:
"É fantástico! É como se eu estivesse me acordando numa floresta fria com raios de sol me aquecendo levemente enquanto inspiro um cheiro de manhã depois de uma longa noite de chuva".

Cheiro de manhã sempre me leva esperança porque é o primeiro sinal de que a noite passou. E talvez seja essa sensação que me faz ser tão apaixonada por The Oh Hellos: a esperança vem pela manhã. 

terça-feira, 19 de julho de 2016



Não sei se você que me lê agora já ouviu alguma coisa deste rapaz que agora irei escrever, mas se já ouviu, com certeza irá concordar comigo em um quesito: Sufjan sabe nos fazer chorar com o coração.
"Ok, mas o que seria chorar com o coração?"
Não é aquele choro melodramático de quando ouvimos alguma música na trilha de um filme romântico no qual um dos protagonistas morre no fim. Não. As lágrimas costumam brotar lá dentro, numa espécie de frutificação interna e, geralmente após essa sensação difícil de explicar, fecha-se os olhos e cada nota, cada miserável nota, é sentida como uma pontada no coração. Foi justamente essa sensação que me fez uma fã incondicional do trabalho do americano de 41 anos com seu enorme acervo de álbuns que vão do folk minimalista a grandes explosões de jazz e até mesmo música eletrônica. 
Carrie & Lowell é o trabalho mais recente do músico, lançado no ano passado e voltando ao som "pequeno" de voz, violão, vocais e piano (em algumas músicas, a presença de sintetizadores e guitarras elétricas também são notadas). Eu coloco, facilmente, este álbum no meu top 3 dos melhores trabalhos de Sufjan (apesar de só ter ouvido quatro álbuns e um EP); primeiro porque o que mais impressiona em toda a lírica do repertório é a dor sendo exposta e, literalmente, exposta, já que conta histórias (como todo bom folk) da problemática mãe do artista e do quanto a relação dos dois era permeada de mágoa, dor e revolta. Sufjan em uma entrevista ao Pitchfork revela que o álbum serviu como uma forma de exprimir todas a confusão de saudade, mágoa e reconstrução do tempo, numa tentativa de perdão para com sua mãe, que acabou morrendo (e este foi o ponto culminante para a criação deste álbum: como a morte de uma mulher que, por seus sérios problemas mentais e com o alcoolismo, não teve contato com seu filho, influenciou sua vida, apesar de toda a distância e mágoa). 
 O segundo motivo de amar com todas as forças este disco é justamente o fato de algo tão pessoal e doloroso tornar-se história universal. Temas que nos são próximos estão todos ali: morte, conflitos familiares, mágoas, dúvidas, inconstância existencial... Não há como não se identificar com as (tristes) histórias contadas por Sufjan.  
Se fosse para resumir a trajetória lírica do álbum, eu arriscaria dizer que todas as canções, de alguma forma, ancoram na difícil temática de lidar com a morte e suas consequências. A morte nos acorda pra vida, mas também encerra situações que pensávamos ser eternas e reparáveis... Nos acorda para o fato de que não temos tanto tempo quanto pensamos; nos grita ao ouvido o fato irremediável de que não temos certeza plena da maioria das coisas que pensamos ter da mesma forma que temos certeza do nosso fim. É doloroso demais, é indispensável demais... E Sufjan nos toca a ferida ao nos lembrar disso.
O álbum já começa com uma punhalada chamada "Death with dignity", uma das minhas preferidas, e, talvez a minha preferida do repertório. A morte já escancara sua face nessa música ao som do bandolim triste de Stevens e da voz suave cantando essas sentenças: "Spirit of my silence I can hear you/But I’m afraid to be near you/And I don't know where to begin/And I don't know where to begin" (Espírito do meu silêncio eu posso te ouvir/Mas estou com medo de estar perto de ti/ E eu não sei por onde começar/ E eu não sei por onde começar). E depois de adicionar a figura de uma espécie de pássaro chamada andorinhão-migrante - pássaro este que ouve a pergunta da boca do eu-lírico: "qual é aquela canção que você canta para os mortos?" - o ponto central do álbum é revelado: o perdão é despejado à sua mãe, mas não há como nada se regenerar. A morte pôs um fim à dor e também à possível reconciliação. Uma pancada!
A segunda canção intitulada de "Should have known better" (Eu deveria ter te conhecido melhor) é a cruciante constatação após a morte de Carrie: não há nada a fazer a não ser lamentar o fato de não tê-la conhecido melhor. 
Aqui os vocais "angélicos" típicos de Sufjan são adicionados juntamente aos belos acordes de violão. Há uma quebra de arranjo com a presença de efeitos de teclado e os vocais dobrados de Sufjan.
"All of me wants all of you" (tudo de mim quer tudo de você) quebra a temática familiar do disco e traz uma espécie de descrição de uma desilusão amorosa com a presença de sintetizadores e guitarras elétricas junto ao constante violão. 
Em "Drawn to the blood" (Atraído pelo sangue) há a primeira confissão: Stevens reconhece, finalmente, o que lhe assola e pergunta o porquê de tudo lhe acontecer.
"Eugene" é uma canção curta, mas carregada de muita saudade e dor e acredito ser uma das mais belas do disco. Aqui há relatos de momentos da infância com o padrasto de Sufjan, Lowell, durante os cinco verões em que passou com ele e sua mãe (assim quando ela retornou depois de anos de abandono), porém acredito que o que torna esta curta canção em verdade grandiosa é a dolorosa pergunta final: "Qual o sentido de cantar canções/Se eles nunca sequer te ouvirão?". Definitivamente não há mais o que acrescentar.
"Fourth of July" é a constatação do que mais tememos sendo escancarada:"we're all gonna die" (todos nós iremos morrer). Nos primeiros versos há um filho conversando com a mãe moribunda, confortando-a: "Você recebeu amor suficiente, minha pombinha?/Por que você chora?/E eu sinto muito por ter partido, mas foi por bem"; logo após a própria mãe reconforta o filho com as mesmas palavras que lhe foram proferidas: "Meu pequeno falcão, por que você chora?/Me diga, o que você aprendeu com as queimadas de Tillamook/Ou com o dia 4 de julho?/Todos nós vamos morrer". Mais uma vez a morte convidando-nos à uma reflexão de que a certeza de sua vinda é uma das pouquíssimas constâncias da vida. 
"The only thing" - (A única razão) - é uma das minhas preferidas e em termos de arranjos apresenta a mesma dinâmica de vozes dobradas, bandolim e violão. A letra versa sobre a dilaceração que a morte dos seus pais lhe causou e como continuar a vida após esta constatação. 
"Carrie & Lowell" canção que recebe o nome do disco, utiliza-se de figuras mitológicas para relatar as saudades do passado. A criação mítica é a fuga para brechas do que não existiram. 
"John my beloved" - (João meu amado) - nos presenteia com vocais sussurrados e arranjos de piano rhodes enquanto faz uma comparação entre a relação de Jesus com o seu discípulo amado (e como a morte de Jesus afetou a João) com o eu lírico diante da constatação da morte. Há uma oração angustiante implícita nesta narrativa: como me separar de quem amo, Jesus? 
A alma de Sufjan é tão exposta, tão dolorosamente exposta, que conseguimos sentir sua dor nesta oração, conseguimos entender sua confusão ao perder uma pessoa que lhe causou tanta dor, que em vida mais lhe parecia um fantasma e ao mesmo tempo é alguém a quem sabe, e não sabe por quais razões, que ama. 
"No shade in the shadow of the cross" - (Não há conforto na sombra da cruz) - é um desalento, é um desespero... Onde encontrar conforto para a dor em um lugar de morte (cruz)? Aqui há a presença de falsetes nos vocais sussurrados. Uma música desesperadamente linda (e carregada de revolta).
Por fim chegamos na última página do álbum de família de Stevens que, por carregar tantos temas que também são nossos, termina por ser nosso álbum de família. A canção "Blue bucket of gold" - (Balde azul de ouro) - é um convite para fábulas serem contadas, para novas histórias serem ditas; a realidade nos esgota demais e talvez seja essa a nossa maior e melhor fuga: conte-me fábulas, amigo, se você me ama. 
Fingir nunca é esquecer do que se sente; um fingidor, como diria Pessoa, finge fingir a dor que, de fato, sente. A dor está lá, camuflada, escondida, maquiada... Mas a fábula nos conta histórias para dormir, mesmo com o coração partido. Sufjan nos presenteia, ironicamente, com uma história para dormir que em nada tem de fábula; aqui a realidade é superexposta, a dor é sentida, não há fingimentos. Simultaneamente a beleza escorre de todo o sangramento que as feridas do passado e do presente causam; a beleza surrada, a beleza triste, a beleza de flores que nascem em asfaltos completamente inversos a sensibilidade floral e eis aí o mistério do disco de Stevens: a beleza nasce do contraste entre o real e o fabuloso, a feíura e o belo,a dor e o bálsamo. 
Depois de apreciar toda essa (dolorosa) beleza uma pergunta faz-se necessária: quem disse que é impossível ouvir histórias tristemente reais para dormir pra vida? Sufjan mais uma vez nos prova o contrário.



Ouça você mesmo:


Nota: 5/5

sábado, 16 de julho de 2016

Eu não tenho muita facilidade com inglês, mas confesso que grande parte das músicas que ouço estão nesse idioma; não prestar tanta atenção nas letras (ou simplesmente não entendê-las à princípio) me faz focar mais na parte instrumental da obra e, talvez por isso, eu me apegue tanto aos arranjos, a melodia e a interpretação.
Contudo, sei da responsabilidade que a Arte exige porque sei que ela faz parte de uma cultura não totalmente redimida, e por esta razão, a letra é a mensagem e pode carregar traços negativos que vão de encontro ao que acredito. 
Este não é o caso de "Out of exile" do artista neozelandês Strahan. Sua música, em termos de gênero musical, se enquadra no indie-folk com leves toques de alt-country, mas sua confissão religiosa como cristão alivia essa preocupação que citei acima, já que suas letras expressam sua personalidade e consequentemente sua personalidade reflete Cristo se ele de fato for um cristão. 
Eu já tinha ouvido o primeiro disco de Strahan ("Posters") no ano passado, quando o conheci e já havia demonstrado encantamento pelo trabalho do rapaz (inclusive a canção "the time for a change again" me pegou de jeito tanto pela letra quanto pela sutil e doce melodia e interpretação), mas confesso que este segundo disco, "out of exile" está em todos os sentidos, superior a "posters". 
Á começar pelo título, que em tradução livre poderia significar "Fora do exílio" temos um caminho linear que vai do chamamento até ao direcionamento de onde se deve ir. Ora, a palavra "exílio" remete a um lugar que não é nosso, mas que serve como abrigo provisório; a preocupação temática pode revelar o desejo de libertação deste exílio, durante o álbum se perceberá tal concepção tanto no aspecto estético quanto nas letras.
Em comparação com o primeiro álbum, neste a escolha estética que marca esse tema de liberdade é a utilização mais forte das baterias e uma aproximação com as melodias do pop/rock e indie/rock.
A bateria se encontra presente de forma forte nas duas primeiras cançoes: "Hurricane love" (carro-chefe desse álbum) e "Raising boy". Refrões chiclete e animadores que dão aquela sensação de quando colocamos a cabeça para fora da janela de um carro em movimento. 
O álbum começa a entrar nos melhores momentos com a canção "Help me believe" uma das mais bonitas e tocantes do disco (entra no top 3 das mais bonitas pra mim, inclusive), abordando o tema da confiança em Deus em meio a uma crise de fé como se pode perceber nestes versos: "Tell me a story that I recognize/Would you touch my face/And help me believe/That the stories that I know for myself/Are not lies" (conte-me uma história que eu reconheça/você poderia tocar minha face/e me ajudar a acreditar/ que as histórias que eu sei por mim mesmo/não são mentiras". Que pancada de letra! Eu particularmente fico bem tocada com essa música porque acho que estamos sempre com essas crises de fé durante a nossa jornada e o quão difícil é fazer essas orações a Deus e admitir para nós mesmos que estamos em dúvida em relação a tudo que outrora acreditávamos. A fé é dom dEle, por isto parte dEle, nada mais justo - e talvez mais doloroso - do que reconhecer que sozinhos só temos a tendência de desacreditar em tudo o que ouvimos e partir deste reconhecimento clamar pela ajuda do Doador da Fé. 
Mais na frente, o refrão revela uma espécie de grito desesperado: "Cause I have seen/Heavens doors open to me/I have shook to the bones/And I have seen your face as I lay on the floor/And I have cried/And I have sought/Like a beggar in my soul/Like a beggar in the world just to find you Lord" (Porque eu vi/ As portas do céu abrirem para mim/o tremor do balançar dos ossos/E eu vi seu rosto enquanto estava deitado no chão/e eu chorei/e eu tenho procurado/como um mendigo na minha alma/como um mendigo no mundo, só para encontrar Você, Senhor". O que fazer quando a falta de fé acontece mesmo quando já se teve provas suficientes do poder e presença de Deus? Este é o maior desespero. A crise de fé também é uma das grandes sedes por Deus que nos arrebatam em muitos momentos da vida. "Like a beggar". 
A partir de "Help me believe" temos a presença mais forte dos violões e de riffs "arrastados" (muito comuns em músicas country) assim também como de órgãos na música "Out of exile". A letra desta música, inclusive, revela algo interessante sobre a temática do álbum todo: "I’m calling to you/Come back from the woods/Come out of exile." (eu estou chamando você/ volte da floresta/saia do exílio" O começo da canção nos leva a um mundo de pessoas vazias, sedentas por sangue, pessoas que não querem amor, não querem paz, só querem guerra; essas pessoas são as que se encontram no "exílio", alguém que não é do exílio não pode ser como essas pessoas, por isso há o convite: saia do exílio, volte para o seu lugar. 
"Call me" serve como quebra deste clima de reflexão trazidos pelas duas últimas canções. Se em "out of exile" há um convite da parte de alguém (que pode ser o próprio Deus) para deixar o exílio em termos de identidade, já que somos estrangeiros, em "call me" há um pedido feito pelo exilado para que Deus o liberte deste exílio e o faça se sentir seguro, mesmo que a libertação não tenha, efetivamente, chegado. Leve e com um solo lindo de gaita, esta canção é mais uma das descritas para colocar a cabeça para fora numa viagem de carro. 
"Hello heaven" traz de volta o clima reflexivo e doce esteticamente com a bateria pop e a presença dos violões e piano. A letra da canção expressa como os vislumbres da eternidade neste mundo de tanta informação e caos servem como bálsamo para uma alma desesperada. "The current of your love leads me to the shore/Now I’m believing, now I’m believing/That you love to call me son" (A corrente do Seu amor me leva para à praia/agora eu estou acreditando, agora eu estou acreditando/que você gosta de me chamar de filho); esta certeza é o que nos mantém de pé aqui.
E, enfim, chegamos a música que, na minha opinião, é a mais sufocante de tão bonita, tocante e arrepiante: "Need you". Com a presença de violões, cordas de violino e violoncelo e uma interpretação visceral do Strahan, temos um pedido de socorro, uma verdadeira oração cantada: "The shadows I hide are the shadows that bind me/These dark corners becoming the walls that define me/And with this weight on my heart I don’t know what to do/But I know that I need you" (As sombras que me escondem são as sombras que me ligam/Estes cantos escuros tornando-se paredes que me definem/e com este peso em meu coração, não sei o que fazer/mas eu sei que eu preciso de Você" agora mesmo ao escrever esta análise, estou me arrepiando e com os olhos cheios de lágrimas ao ouvir esta canção. A única certeza que temos em momentos difíceis da vida é que precisamos dEle. Não apenas você, Strahan.
Como já demonstrado antes, a dinâmica do disco exige algo mais leve logo após uma enxurrada de lágrimas, e assim aparece "Satisfied" com sua alegre instrumentalização de gaitas, violões e palmas para mostrar a satisfação de alguém que tem a Deus independente de todas as coisas. Como sou apaixonada por gaitas, posso dizer que é uma ótima canção para se dançar na chuva logo após ter enxugado as lágrimas por ter escutado "need You". 
Após a alegria contagiante de "Satified" o disco fecha com "Wilderness", uma canção reflexiva que contrasta com "out of exile" tematicamente. Se em "Out of exile" há um chamado para sair da floresta, do exílio, em "wilderness" há um chamado para ir ao deserto. Seria contradição? 
Na verdade, se formos perceber todo caminho traçado pelo álbum, as ideias são, na verdade, complementares. Deus nos convida para sair do exílio no sentido da identidade, porque ainda estamos em terras estrangeiras, porém não pertencemos a este lugar. Sair do exílio é assumir-se como estrangeiro, mesmo em terras que não lhe pertencem. "Wilderness" em contrapartida, revela o objetivo de uma vida redimida: a vida voltada para o outro. Não somos redimidos para apenas viver como estrangeiros, mas também para irmos ao deserto, preparar o caminho do Senhor, tal qual João Batista, e consolar os que choram e libertar os cativos. 
Se é este o contraste do Evangelho, que o vivamos: saiamos do exílio com destino ao Deserto até pisarmos em terra firme no nosso Lar. 



Nota: 4,5/5

sexta-feira, 8 de julho de 2016


Esta é a primeira publicação desse blog e já começo com um disco de peso, e por esta razão, difícil de escrever sobre. Como o próprio nome do blog denuncia, todas as nossas publicações se basearão em nossas percepções emocionais; talvez você, técnico, não se sinta muito à vontade com esta humilde estudante de vinte e um anos que não é crítica, mas amante de música, mesmo assim, fique à vontade para sentir junto conosco. 
"Diálogo número um" é o primeiro trabalho do artista Estevão Queiroga, um músico paraibano/manauense conhecido no meio adventista; o álbum é completamente autoral. A produção executiva ficou a cargo de Leonardo Gonçalves com seu selo LG7 do qual também participam Felipe Valente e Gabriel Iglesias, igualmente talentosos. A produção musical ficou por conta do músico Samuel Silva, tecladista, diretor musical e arranjador dos trabalhos do Leonardo Gonçalves de 2004 para cá. Finalizando a parte técnica, a capa e encarte são obras do genial designer e fotógrafo Luquinhaz responsável por vários encartes conhecidos como os recentes "Janela" do Alexandre Magnani (2016), "Graça Ao Vivo" de P.C Baruk(2016), e "Princípio e fim" de Leonardo Gonçaves(2010). 
Desde o primeiro momento em que vi esta capa que é uma foto de um menino chorando com um violão dentro de um rio, percebi de cara que estava diante de uma obra que tinha muito a dizer. O menino que chora em um rio aparentemente calmo é o próprio Estevão diante da jornada de encontrar-se sozinho, e provavelmente ao ouvir o disco percebi que também sou esse menino. É sobre o tema identidade que o álbum constrói sua narrativa, em "Toada de Dedé", canção que abre o disco, vemos uma senhora cantando sem instrumentalização, de forma caseira, relatando a saga de um menino que ao crescer sai de casa, da companhia de seu pai e vai tentar se descobrir no mundo, mas ao encontrar a luz, volta para casa:  "um menino/ um milagre tão divino e incapaz/ um rebento/ dependente de seu pai". O menino não é apenas o músico, o menino somos nós, antes Saulos e posteriormente Paulos, o menino é o mundo inteiro correndo atrás de significado para a própria vida enquanto a queda do cavalo nos faz ver o Mestre. Coisa linda! 
"Toada de Dedé" só possui um minuto e alguns segundos de duração, mas foi uma das canções que mais me fez arrepiar e encher os olhos; pela força da voz que canta, pela raiz nordestina, da qual sou parte e fruto, a identificação com meu povo, minha gente, minha família e eu mesma foi instantânea e me arrancou lágrimas. 
Com elementos de maracatu e acordeon, "Corre atrás do vento" ainda versa sobre a busca pelo significado no mundo pós-moderno com uma harmonia lindíssima da divisão de vozes de Queiroga. Uma das que mais gostei!
O menino, rebento, dependente do pai, que chora e sai de casa, que se vê diante do emblemático momento em que cai do cavalo e, se vê prostrado, cego, diante da Luz profunda  da vida na lindíssima - e se não a mais tocante do disco - "A partida e o norte", música de trabalho. É na provação que a esperança de se encontrar surge, é a luz que cega que faz cair do cavalo e descobrir-se em Deus, é o fogo que queima e purifica os erros que aquece nos dias frios... Uma das letras mais profundas que já ouvi e provavelmente entrará na minha lista de músicas do ano, sem dúvida. 
"O sol e eu" é uma comparação entre a instabilidade e aparente feiúra do homem diante da constância beleza do sol; porém ao fim percebe-se que a fraqueza e instabilidade temporal do homem permitem que o amor e a felicidade sejam sentidos: "...eu não vou ver o sol chorar/e muito menos a sorrir/o sol não pode te amar/o sol não pode ser feliz". Apesar da inconstância humana, o amor ainda é possível. 
"Mais uma porta" é ainda uma ode à instabilidade humana diante do tempo. Nós não sabemos o que acontecerá diante das portas da vida, mas agir com fé é entrar nas portas que Deus abre, porque "Deus só abre as portas/de onde Ele está". Fé é isso! No aspecto musical, é uma das canções que abre o leque de influências de jazz no disco, com acordes de piano bem executados e arranjos de cordas que vão perdurar pelo restante do repertório. Coisa fina!
A faixa 6, "Se for com você (pode ser)" é romântica e trabalha bem as influências de jazz e mpb, parecendo até uma canção de Djavan. Massa! 
"O preço do amor" versa sobre as porções de amor e aceitação que mendigamos quando o Alguém maior já pagou um preço alto por amor, nada mais vale diante dessa prova de aceitação; letra forte, porém, ao meu ver não entra no páreo com as demais que a seguem. Musicalmente ainda se percebe a veia jazzística e de muito bom gosto com um baixo acústico de encher os ouvidos. 
"Quem sou eu" é uma das músicas MAIS FORTES DESSE DISCO. Não dá para ouvir essa música e não sentir vários tapas na cara; ainda dentro da perspectiva da busca pelo significado, essa música revela que o menino da capa ao buscar-se em si mesmo, não se encontra. Ao deparar-se consigo mesmo no espelho, o menino percebe que, na verdade, o que encontra em si é a podridão do oculto, a hipocrisia da bondade aparente. E quem ele é? O rapaz das boas obras vistas por todos ou o que no escuro revela seus desejos mais perversos? 
Musicalmente essa canção é um prato cheio para quem curte um blues com direito a arranjos fantásticos de órgão do Samuel Silva e solos de guitarra de fazer desenhar notas no ar e fechar os olhos. A interpretação de Estevão é impressionante, carregando a angústia da dúvida sobre quem é e rasgando a garganta em agudos dignos de fazer a gente balançar a cabeça e dizer: "oh yes". 
"Bom e Mau" não poderia estar em lugar melhor já que é complementação temática da canção anterior. Aqui o símbolo do menino é mais uma vez construído colocando em lugares opostos duas teorias sociológicas: o homem bom que a sociedade corrompe e o homem ruim que a sociedade controla, quem é o Menino entre esses dois mundos? Pela teologia cristã o pecado é algo que se nasce, logo é mais do que a ação em si e sim a própria condição humana. "Mas em quem eu me tornei?" é a pergunta que liga todos os estágios humanos descritos na figura metafórica do menino: a ingenuidade da infância, a descoberta do erro, a maturidade do homem feito no pecado e, finalmente, após a regeneração efetuada pela obra de Cristo, o homem Bom. "Mas em quem eu me tornei?" essa pergunta após a obra de Cristo questiona quem somos agora: se há algo bom em nós, por certo não vem de nós; existe alguém realmente Bom que nos faz bons. Definitivamente essa canção é um verdadeiro show das doutrinas da Graça. 
Após a regeneração, o Menino agora encontrado, verseja sobre qual é a sua função no mundo com a canção "É isso". A música é basicamente uma tentativa de explicação do Amor de Deus e faz desse Amor a causa da existência, tentando expressá-lo por meio de analogias, e construindo uma macro compreensão de que não há analogias que consigam explicar o Amor de Deus, "é isso". 
"O que será" coloca a voz do próprio Cristo na narrativa e mostra uma espécie de oração do Filho para com o Pai em favor - em amor - de nós. 
A última música, que é a faixa bônus "Nós", ancora o barco do Menino assustado que sai de casa e encontra uma casa com um banquete de amigos e talvez essa construção do repertório revele que o fim da consumação da cruz não apenas possibilitou uma nova identidade a todos os Meninos que saíram de casa, como também fez essa identidade morar no coletivo, morar no "nós". 
O Menino sai de casa, se perde, tenta se achar, descobre que não consegue sozinho, volta para o Lar e encontra-se em Cristo, morando ao final no Nós, como a oração sacerdotal de Jesus pelos discípulos.
O Menino não é apenas Estevão, mas também é a figura metafórica que abarca a existência humana, garotos pródigos fugidos do Lar em busca de significado; garotos que não irão parar de chorar em seus barcos enquanto não voltarem a Ele e descobrirem que só se pode ser porque Ele é. 


NOTA: 4/5




Obra do artista urbano Bansky

Eu sou uma pessoa que respira música, literatura, cinema e artes em geral e não passo um dia sem manter contato com uma dessas duas vertentes artísticas. Por essa razão, e também para aliviar minhas emoções diante da Beleza que vejo, este blog foi criado.
Espero muito que, juntos, possamos colocar pra fora tudo isso que é bonito, que é bom, que é agradável, que é Vida!

Seja bem-vindo e fique à vontade!