Eu não
tenho muita facilidade com inglês, mas confesso que grande parte das músicas
que ouço estão nesse idioma; não prestar tanta atenção nas letras (ou
simplesmente não entendê-las à princípio) me faz focar mais na parte
instrumental da obra e, talvez por isso, eu me apegue tanto aos arranjos, a
melodia e a interpretação.
Contudo,
sei da responsabilidade que a Arte exige porque sei que ela faz parte de uma
cultura não totalmente redimida, e por esta razão, a letra é a mensagem e pode
carregar traços negativos que vão de encontro ao que acredito.
Este não
é o caso de "Out of
exile" do
artista neozelandês Strahan. Sua música, em termos de gênero
musical, se enquadra no indie-folk com leves toques de alt-country, mas sua
confissão religiosa como cristão alivia essa preocupação que citei acima, já
que suas letras expressam sua personalidade e consequentemente sua
personalidade reflete Cristo se ele de fato for um cristão.
Eu já
tinha ouvido o primeiro disco de Strahan ("Posters") no
ano passado, quando o conheci e já havia demonstrado encantamento pelo trabalho
do rapaz (inclusive a canção "the time for a change again" me pegou
de jeito tanto pela letra quanto pela sutil e doce melodia e interpretação),
mas confesso que este segundo disco, "out
of exile" está em todos
os sentidos, superior a "posters".
Á começar
pelo título, que em tradução livre poderia significar "Fora do exílio" temos um caminho linear que vai do
chamamento até ao direcionamento de onde se deve ir. Ora, a palavra "exílio"
remete a um lugar que não é nosso, mas que serve como abrigo provisório; a
preocupação temática pode revelar o desejo de libertação deste exílio, durante
o álbum se perceberá tal concepção tanto no aspecto estético quanto nas letras.
Em
comparação com o primeiro álbum, neste a escolha estética que marca esse tema
de liberdade é a utilização mais forte das baterias e uma aproximação com as
melodias do pop/rock e indie/rock.
A bateria
se encontra presente de forma forte nas duas primeiras cançoes: "Hurricane
love" (carro-chefe desse álbum) e "Raising boy". Refrões chiclete e animadores que
dão aquela sensação de quando colocamos a cabeça para fora da janela de um
carro em movimento.
O álbum
começa a entrar nos melhores momentos com a canção "Help me believe" uma das mais bonitas e tocantes do
disco (entra no top 3 das mais bonitas pra mim, inclusive), abordando o tema da
confiança em Deus em meio a uma crise de fé como se pode perceber nestes
versos: "Tell me a story
that I recognize/Would you touch my face/And help me believe/That the stories
that I know for myself/Are not lies" (conte-me uma história que eu
reconheça/você poderia tocar minha face/e me ajudar a acreditar/ que as
histórias que eu sei por mim mesmo/não são mentiras". Que pancada de letra! Eu
particularmente fico bem tocada com essa música porque acho que estamos sempre
com essas crises de fé durante a nossa jornada e o quão difícil é fazer essas
orações a Deus e admitir para nós mesmos que estamos em dúvida em relação a
tudo que outrora acreditávamos. A fé é dom dEle, por isto parte dEle, nada mais
justo - e talvez mais doloroso - do que reconhecer que sozinhos só temos a
tendência de desacreditar em tudo o que ouvimos e partir deste reconhecimento
clamar pela ajuda do Doador da Fé.
Mais na
frente, o refrão revela uma espécie de grito desesperado: "Cause I have seen/Heavens
doors open to me/I have shook to the bones/And I have seen your face as I lay
on the floor/And I have cried/And I have sought/Like a beggar in my soul/Like a
beggar in the world just to find you Lord" (Porque eu vi/ As portas do céu
abrirem para mim/o tremor do balançar dos ossos/E eu vi seu rosto enquanto
estava deitado no chão/e eu chorei/e eu tenho procurado/como um mendigo na
minha alma/como um mendigo no mundo, só para encontrar Você, Senhor". O que fazer quando a falta de fé
acontece mesmo quando já se teve provas suficientes do poder e presença de
Deus? Este é o maior desespero. A crise de fé também é uma das grandes sedes
por Deus que nos arrebatam em muitos momentos da vida. "Like a beggar".
A partir
de "Help me believe" temos a presença mais forte dos
violões e de riffs "arrastados" (muito comuns em músicas country)
assim também como de órgãos na música "Out
of exile". A letra desta música, inclusive, revela algo interessante
sobre a temática do álbum todo: "I’m
calling to you/Come back from the woods/Come out of exile." (eu estou chamando você/ volte
da floresta/saia do exílio" O
começo da canção nos leva a um mundo de pessoas vazias, sedentas por sangue,
pessoas que não querem amor, não querem paz, só querem guerra; essas pessoas
são as que se encontram no "exílio", alguém que não é do exílio não
pode ser como essas pessoas, por isso há o convite: saia do exílio, volte para
o seu lugar.
"Call
me" serve
como quebra deste clima de reflexão trazidos pelas duas últimas canções. Se em "out of exile" há um convite da parte de alguém
(que pode ser o próprio Deus) para deixar o exílio em termos de identidade, já
que somos estrangeiros, em "call
me" há um pedido feito
pelo exilado para que Deus o liberte deste exílio e o faça se sentir seguro,
mesmo que a libertação não tenha, efetivamente, chegado. Leve e com um solo
lindo de gaita, esta canção é mais uma das descritas para colocar a cabeça para
fora numa viagem de carro.
"Hello
heaven" traz de
volta o clima reflexivo e doce esteticamente com a bateria pop e a presença dos
violões e piano. A letra da canção expressa como os vislumbres da eternidade
neste mundo de tanta informação e caos servem como bálsamo para uma alma
desesperada. "The current
of your love leads me to the shore/Now I’m believing, now I’m believing/That
you love to call me son" (A corrente do Seu amor me leva para à
praia/agora eu estou acreditando, agora eu estou acreditando/que você gosta de
me chamar de filho); esta certeza é o que nos mantém de pé aqui.
E, enfim,
chegamos a música que, na minha opinião, é a mais sufocante de tão bonita,
tocante e arrepiante: "Need
you". Com a presença de
violões, cordas de violino e violoncelo e uma interpretação visceral do
Strahan, temos um pedido de socorro, uma verdadeira oração cantada: "The
shadows I hide are the shadows that bind me/These dark corners becoming the
walls that define me/And with this weight on my heart I don’t know what to do/But
I know that I need you" (As sombras que me escondem são as sombras que me
ligam/Estes cantos escuros tornando-se paredes que me definem/e com este peso
em meu coração, não sei o que fazer/mas eu sei que eu preciso de Você" agora mesmo ao escrever esta
análise, estou me arrepiando e com os olhos cheios de lágrimas ao ouvir esta
canção. A única certeza que temos em momentos difíceis da vida é que precisamos
dEle. Não apenas você, Strahan.
Como já
demonstrado antes, a dinâmica do disco exige algo mais leve logo após uma enxurrada de lágrimas, e assim aparece "Satisfied" com sua alegre instrumentalização
de gaitas, violões e palmas para mostrar a satisfação de alguém que tem a Deus
independente de todas as coisas. Como sou apaixonada por gaitas, posso dizer que é
uma ótima canção para se dançar na chuva logo após ter enxugado as lágrimas por
ter escutado "need
You".
Após a
alegria contagiante de "Satified" o disco fecha com "Wilderness", uma
canção reflexiva que contrasta com "out
of exile" tematicamente.
Se em "Out of exile" há um chamado para sair da
floresta, do exílio, em "wilderness" há um chamado para ir ao deserto.
Seria contradição?
Na
verdade, se formos perceber todo caminho traçado pelo álbum, as ideias são, na
verdade, complementares. Deus nos convida para sair do exílio no sentido da identidade,
porque ainda estamos em terras estrangeiras, porém não pertencemos a este
lugar. Sair do exílio é assumir-se como estrangeiro, mesmo em terras que não
lhe pertencem. "Wilderness" em contrapartida, revela o
objetivo de uma vida redimida: a vida voltada para o outro. Não somos redimidos
para apenas viver como estrangeiros, mas também para irmos ao deserto, preparar
o caminho do Senhor, tal qual João Batista, e consolar os que choram e libertar
os cativos.
Se é este
o contraste do Evangelho, que o vivamos: saiamos do exílio com destino ao
Deserto até pisarmos em terra firme no nosso Lar.
Nota: 4,5/5
muito bom o seu artigo...me fez refletir em muitas coisas! Deus a abençoe!
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