sábado, 30 de dezembro de 2017


A primeira coisa que tenho a dizer acerca desta lista é que preciso escutar mais música brasileira - o que é estranho já que considero nossa música a mais criativa, sensível e incrível de todo o planeta - patriotismos e arrependimentos à parte, tenho a total ciência de que tenho uma lista maior de discos nacionais para ouvir e apreciar e que não me foi possível, visto que 2017 foi praticamente em inglês para mim. 
Por vergonha do tamanho da lista, alguns dos discos ouvi em cima da hora - como agora enquanto ouço Caravanas do Chico Buarque e analiso se gostei ou não gostei - outros foram reais companheiros e donos de replays eternos, então eis aí minha humilde lista dos "Melhores discos nacionais do ano" segundo a minha própria opinião, claro. 


14. Todas as bandeiras - Maglore



Se a música de Maglore pudesse ser sinestesicamente definida, talvez tivesse gosto de suco de limão gelado ou cheiro de praia de tão tropical e alegre que os baianos conseguem ser. E não é diferente com o mais recente disco da banda. Todas as bandeiras  vem com leveza em tempos difíceis de polaridades políticas, ideológicas e guerra de ódio por palavras aqui no país, evocando a unidade de todas as pessoas, todos os povos, todas as etnias para o que verdadeiramente os une.

13. Som e Silêncio - Hévio Sodré 



Contrapondo toda a estrutura do gospel em reproduzir clichês líricos e arranjos semi-prontos, Hévio Sodré apresenta um disco autêntico que, se não fosse a salada rítmica, poderia ser ainda melhor. Ainda assim consegue trazer letras autênticas e canções bem bonitas que passeiam entre o folk, rock 60's, mpb e pop.


12. Legrand - Legrand 




Este talvez seja o nome mais desconhecido da lista e foi fruto de uma indicação de uma amiga. O ep de 6 músicas e menos de 20 minutos nos mostra muita energia ao apresentar canções de pop alternativo e indie pop com pegadas de synths anos 80. 


11. Ayrton Montarroyos - Ayrton Montarroyos 



Talvez você conheça este nome da edição do The Voice e pensou certo. O pernambucano lançou o primeiro disco este ano contrastando com tudo o que se esperava de um segundo lugar de um programa de calouros exibido pela Globo. No lugar das baladas românticas pop ou do pop adocicado, Montarroyos apresenta um compilado de canções que mais relembram os melhores momentos do chorinho e samba raiz com uma poesia bem brasileira. Coisa fina! 


10. Lá vem a Morte - Boogarins





Demorei pra ouvir Boogarins por motivos de: sou resistente à psicodelia, mas fui mais forte que minha zona de conforto e ousei ouvir o novo disco Lá vem a Morte e foi uma acertada decisão. Presente em basicamente todas as listas de sites conceituados de música brasileira, o disco que contém 8 músicas entre ambientações instrumentais densas e abstratas, com letras bem construídas em uma poesia igualmente densa faz do álbum algo interessante no ano.


9. Gragoatá - Gragoatá 



Com muita dor na consciência pelo número pequeno de discos brasileiros que escutei, acabei lendo uma porrada de listas de melhores do ano nos sites que confio e fui conferindo disco por disco, analisando, tentando sentir o que ouvia até chegar nessa beleza aqui. Em uma delicadeza de canções produzidas à base de violões e percussão aliada a uma voz doce da vocalista, Gragoatá é pra sentir todo o frescor da nova safra da música brasileira (e que me fez ficar curiosa com todas as outras músicas do grupo). 

8. Vem - Mallu Magalhães 



Mallu Magalhães deu o que falar neste ano e, infelizmente, de forma bem negativa após um clipe que não contribuiu muito para a desconstrução de objetificação de corpos negros e principalmente após insinuar existir racismo reverso (????) em rede nacional. Por essas razões demorei para ouvir este novo disco da paulista e, apesar de todas as controvérsias e infelicidades, tenho que admitir que Vem tá em um nível altíssimo de qualidade, mostrando que às vezes a arte tem que estar acima das burradas do artista. 

7. Reversos - Felipe Valente



Mais um do selo LG7 do cantor Leonardo Gonçalves, Felipe Valente, bem conhecido no meio adventista lança seu segundo registro, dessa vez se afastando um pouco do pop/rock do disco de 2009 e aproximando-se mais de outras vertentes do rock, bem como a utilização precisa de arranjos de instrumentos de sopro com canções que brincam com o universo do pop/rock, folk-canção até post-rock como na canção que dá nome ao álbum.

6. A Última Palavra Feche a Porta - Plutão já foi Planeta



Leveza, alegria e tempo de sol, é isso que se sente ouvindo o novo registro da banda potiguar. Enveredando pelo indie-pop, folk-pop e pop/rock com letras de riqueza lírica com participações mais que especiais como Maria Gadú na canção Duas, mais bonita do disco na minha opinião. 


5. Quietude - Os Descordantes 




Apresentada há pouco tempo por uma amiga do Acre, no exato momento em que escrevo essa etapa da lista (na madrugada, comecinho do dia 29 de dezembro), os Descordantes vieram como aquele tiro no coração, sabe? Em meio a baladas românticas com pegadas de rock anos 70, estilo Roberto Carlos mais o brega antigo com cara das canções tristes e lindas dos Paralamas do Sucesso (como observou uma amiga) e até as melhores baladas do Jota Quest, a banda do Acre, apresenta um disco de beleza, pra ouvir chorando e sentindo cada letra, cada acorde e cada melodia. 


4. Um Corpo No Mundo - Luedji Luna




Recentemente ouvi essa obra-prima inspirada em uma playlist composta só de artistas pretos brasileiros e fiquei encantada com tudo o que senti ouvindo. Ancestralidade, poesia e doçura; percussão, coração e leveza são elementos-chave para Um Corpo No Mundo, uma obra que aborda o pertencer de um negro, e que coisa bonita quando quem é preto se identifica com a poesia, a resistência e a beleza de um disco tão coeso e bonito quanto esse. 

3. Young Lights - Young Lights



Apesar do nome em inglês e de também cantar nesse idioma, a banda é brasileiríssima de Belo Horizonte. Young Lights é recheada de camadas de pura beleza que flertam com post-rock, britpop e rock alternativo, lembrando os tempos de ouro de Coldplay nos discos X&Y e A rush of the blood to the head, por exemplo. É pra ouvir e chorar. 

2. Pra Doer - Tuyo 



Essa aqui tem lugar especial na lista e no meu coração não apenas pela relação de uma verdadeira fã (de encontrinho, de compartilhamento marcado e de grupo de whatsapp, pra você ter ideia) mas também e principalmente pela beleza que o Pra Doer veio aliado à toda a originalidade do trio paranaense. O EP com 4 músicas une o folk minimalista, os arranjos vocais cheios de doçura e harmonia das irmãs Lilian e Layane (pra você que curte The Staves isso aqui é uma loucura de bom) e os beats eletrônicos e arranjos instrumentais de Jean Machado. É pra ouvir com olho fechado e mão no peito, pode ter certeza!

1. Recomeçar - Tim Bernardes



O paulista conhecido por ser vocalista da banda indie O Terno distancia-se um pouco do humor ácido da banda para falar de dores, experiências pessoais e um caminho de redefinição de identidade em uma verdadeira obra-prima que alcança o primeiro lugar, com certeza, da lista. Recomeçar é profundo, honesto e incrivelmente belo com canções de um esmero instrumental (inclusive todos os arranjos assinados pelo próprio Tim) que vão de cordas até harpas como também de uma delicadeza lírica. Um verdadeiro tutorial de como ser um artista!

Abaixo você pode conferir minha playlist com cada canção que mais gostei de cada disco citado:




Obs.: como o critério para a seleção é de ter apenas lançamentos do ano, deixei de fora o álbum "Cordões Umbilicais" (2015) de Flaira Ferro, mas que também foi um mantra para mim este ano. 
Obs.2: Eu percebi nas minhas pesquisas que muitos, mas MUITOS discos nacionais saíram este ano e não tive tempo de ouvir todos, por esta razão há muito terreno pra se explorar em 2018.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Como sempre, a música em anos difíceis vem nos salvando. E foram muitos lançamentos internacionais que fizeram valer a pena viver cada minuto de 2017; artistas de vários segmentos, vários discursos e com diversas histórias contadas em álbuns e EP's, sejam abordando temas subjetivos como amor, existência e sofrimento ou até temas sociais como racismo, desigualdade e empoderamento feminino, definitivamente 2017 foi um prato cheio para a música.

obs.: sinceramente, acredito que este foi o ano em que mais escutei músicas em toda a minha vida. Segundo o Spotify, ouvi mais de 27 mil minutos! Uau! Vamos às consequências desse meu ócio hahaha

25. ||| Spector - ||| Spector  


O grupo de adolescentes de Nashville, que já foi citado nesse meu post aqui, lançou este ep autointulado em julho deste ano e apesar de ser o primeiro trabalho da banda, já mostra maturidade e um frescor difícil de se ver em bandas iniciantes, lembrando os tempos áureos dos anos 70 e 80 em músicas pop com guitarras e timbres bem trabalhados. 

24. Slowdive - Slowdive 

A banda, que eu não sabia da existência até este ano, conhecida por seu som shoegaze teve um longo hiato, mas voltou com tudo este ano com canções carregadas de ambiência e timbres de guitarra que garantem uma experiência de imersão em cada canção executada. 

23. This Old Dog - Mac DeMarco 


O queridinho do indie internacional, Mac DeMarco, nos apresenta uma versão simples e bem estruturada de romantismo, com canções que na primeira audição pedem rapidamente bis para os ouvidos, numa versão menos sarcástica e mais apaixonada do canadense. 

22. Bathing Beach - Novo Amor 


A banda de nome em português, conhecida por seu som indie-folk minimalista (com muitas comparações compreensíveis à banda Bon Iver) nos apresenta a mais um EP com 4 canções, das quais o único pecado está na pouca quantidade. Essa é pra ouvir com os olhos fechados e mão no coração! 

21. Ti Amo - Phoenix



Quem me conhece sabe que tenho uma certa queda por músicas tristes e, por esta razão, é até curioso para mim o fato de eu ter gostado tanto de um álbum tão "alegre" quanto Ti Amo da francesa Phoenix. A resposta talvez esteja no fato da minha queda também por sintetizadores anos 80 nesse indie-pop delicioso com referências retrô apresentado pelos franceses. 

20. Painted Ruins - Grizzly Bear


Não conheço a fundo a banda indie Grizzly Bear, e essa foi a minha primeira e até agora única experiência com o grupo, mas garanto que foi uma gentil e alegre descoberta ouvir 11 canções e me viciar na delícia de clipe de Mourning Sound. 

19. Crack-Up - Fleet Foxes


Ouvir Fleet Foxes nunca é uma experiência muito fácil para mim, e o novo álbum da banda de folk e pop-barroco veio confirmar este fato e incrivelmente, como nos melhores álbuns, o aparente desconforto com as músicas foram dando lugar a uma apreciação sensorial incrível, principalmente com músicas como Third of May/Õdaigahara. 


18. Sleep Well Beast - The National



Mesmo eu, particularmente, gostando mais do disco anterior da banda, não posso deixar este grande álbum de fora. Algumas músicas como Guity Party e Carin at the Liquor Store, que são incrivelmente lindas, me obrigaram a colocar Sleep Well Beast como um dos melhores discos internacionais de 2017.

17. Harry Styles - Harry Styles


Sim, este é aquele menino da One Direction que me fez cair da cadeira e deixar de preconceito bobo, como eu expliquei na resenha que escrevi. 
O primeiro disco do inglês é um primor de produção, uma bonita homenagem ao rock'n roll anos 70, com um álbum que não saiu dos meus ouvidos por semanas a fio. 

16. All Things Work Together - Lecrae



Lecrae é um dos grandes nomes do Rap consumido pelo público cristão dentro e fora dos EUA, mas o álbum All Things Work Together, lançado esse ano veio para desestruturar o stablishment da música cristã norte-americana ao apresentar um disco que foge dos padrões ao, por exemplo, abordar temas como a hipocrisia do cristianismo, a supremacia branca, o racismo estrutural em uma acidez crítica impressionante, além de ter convidado o rapper (não cristão, inclusive) Ty Dolla $ign para colaborar em uma canção e utilizar samples de uma música do artista folk-barroco Sufjan Stevens na maravilhosa Can't Stop me Now (Destination). 

15. Mercury & Lightning - John Mark McMillan



Se Lecrae causou lançando seu disco, imagina John Mark McMillan conhecido por ser um dos grandes nomes do movimento worship no mundo e ser um dos maiores líderes de louvor? Enquanto todo o seu público esperava mais um álbum de músicas para serem cantadas nos cultos de domingo, McMillan surpreendeu ao apresentar um álbum sombrio, esteticamente conceitual, com críticas severas à hipocrisia da igreja norte-americana e uma angústia em limbo de dúvidas, que se não soubéssemos a religião do artista, provavelmente questionaríamos se não seriam lamentações de um agnóstico. Tudo isso somado aos clipes lançados do álbum, em especial da canção que dá nome ao disco, Mercury & Lightning, que certamente é uma das melhores obras de 2017. 

14. Tell Me You Love Me - Demi Lovato



Demi Lovato, uma das grandes estrelas mundiais, conhecida por seus trabalhos na Disney Channel e também pelos diversos problemas pessoais que estamparam revistas por todo mundo, finalmente se encontrou musicalmente e isso foi uma grata surpresa para este ano de 2017. Apesar de liricamente não se ter nada muito profundo, é na sonoridade que Tell Me You Love Me acerta em cheio. Se antes víamos uma Demi perdida entre o pop e o rock-teen (como no caso de Kelly Clarkson e Avril Lavigne), agora ela finalmente percebeu que sua voz e personalidade musical combinam perfeitamente com o R&B Pop-R&B em um disco cheio de arranjos sensacionais que misturam instrumentos de sopro (como positivamente visto no registro anterior, Confident) mais sintetizadores típicos dos anos 80 e guitarras de blues num dos melhores álbuns pop do ano. 

13. The Velvet Face - Halfnoise



The Velvet Face, EP de 5 canções foi um dos meus maiores acompanhantes neste ano. O registro do artista Zac Farro, conhecido por ser baterista da Paramore (já falamos dele por aqui) é um prato cheio de referências setentistas em um indie-pop que apresenta elementos de psicodelia e vestígios de dance dos anos 80. Cool!

12. Freudian - Daniel Caesar 



Lembro como hoje da primeira que escutei Daniel Caesar e foi lindo ouvir o primeiro disco, aí me vem 2017 e me presenteia com Freudian, que apesar de não ser melhor que o primeiro, na minha opinião, apresenta canções incríveis como Best Part (em colaboração com a incrível H.E.R) e Get You. 

11. As You Were (deluxe edition) - Liam Gallagher


Pra matar a saudade do Oasis, em clima de nostalgia, Liam Gallagher trouxe um álbum pra 2017 que, com certeza vale a pena ser escutado. São baladas de rock incríveis pra quem quer ouvir e chorar pedindo a reconciliação dos irmãos Gallagher. 

10. Melodrama - Lorde




Apontado por inúmeros sites de respeitos como o melhor álbum de 2017 e tendo uma invejável nota 91 no Metacritic além do selo Best New Music do rigoroso site de crítica musical Pitchfork, Melodrama chegou na minha vida como uma boa surpresa. Eu não tinha ouvido o disco anterior e meu primeiro contato com Lorde se deu com este aclamado álbum com produção precisa do novo queridinho do pop (ou indie-pop) Jack Antonoff, sendo todo construído a partir do conceito da experiência de uma pessoa pré, durante e pós festa, revelando os maiores anseios e angústias da geração millenials e rendendo canções incríveis como The Louvre. 
Apesar de ter gostado muito do álbum, confesso que o primeiro continua sendo meu preferido. 


9. A deeper Understanding - The War on Drugs 



Eu sempre ouvi falar muito de The War on Drugs, mas nunca tinha parado para escutar e entender o porquê de tanto ovacionamento (experiências que este ano também passei com Grizzly Bear e Slowdive). Escutei as 10 canções de A Deeper Understanding e entendi completamente, me rendi aos encantos da banda americana e me comprometi a ouvir toda a discografia.

8. Turn Out the Lights - Julien Baker





Se você quer sofrimento, veio para o lugar certo. São mais de 10 canções interpretadas pela cantora Julien Baker de Memphis, TN nos EUA nos apresentando o mais profundo que existe em um artista quando decide vomitar suas dores e mostrar toda a sua vulnerabilidade. Só escute se não estiver passando por maus bocados. 

7. H.E.R - H.E.R



Este é o primeiro álbum da jovem cantora de R&B que atende pelo nome de H.E.R. Canções incríveis mostrando o que há de melhor no new R&B e o porquê dela ser quase um ser onipresente nas novas produções do gênero nos EUA. Vale muito a pena!

6. Ctrl - SZA



Assim como H.E.R, SZA é novata e desponta com seu primeiro disco solo já garantindo lugar nos sites especializados como um dos melhores álbuns do ano. No começo eu escutei para entender o porquê de tanta reverência e após algumas tentativas, entendi perfeitamente: SZA não tem medo de expor o que sente, não tem medo de ousar no que seria o alternative-R&B e como resultado foi um dos discos mais escutados por mim neste ano. 

5. DAMN. -  Kendrick Lamar



O público, a crítica e todas as pessoas que apreciam boa música reverenciam Kendrick como uma das maiores vozes e representantes do Rap mundial nos nossos dias. E não é pra menos. No álbum mais elogiado do ano, estampando as principais revistas e sites especializados em crítica como o melhor álbum de 2017, DAMN. é cru, aponta as dúvidas e angústias, critica o stablishment do próprio sistema de música do rap e alça um dos momentos mais criativos em arranjos de sua carreira. Um dos motivos de estar na minha lista pessoal em uma música: Pride. SIT DOWN! BE HUMBLE! 

4. After Laughter - Paramore



E por falar em Zac Farro, a banda Paramore, depois de inúmeros problemas internos e um quase fim (como relatado na resenha que escrevi sobre o After Laughter) renasceu das cinzas rompendo completamente com o pop-punk que fez com que se tornassem conhecidos mundialmente e mergulhou nas dimensões da pop music e new-wave anos 80 contrastando com letras pesadas sobre depressão, insegurança e medos que são típicos dos jovens adultos e representam quase toda a geração Millenials. 
Obs.: segundo o spotify, Paramore foi a banda que eu mais escutei em 2017. Não é pra menos né? A menina emo de 2009 em mim ainda não morreu hahah.

3. Process - Sampha 



Conhecido por suas contribuições com artistas de grande renome como Solange e Drake, Sampha nos presenteia com um dos melhores discos do ano, provando toda a sua versatilidade em um registro que garante lágrimas por sua delicadeza e vulnerabilidade, assim também como rende palmas pela grande criatividade num gênero que é definido pela crítica como neo-soul. 

2. Aromanticism - Moses Sumney 



Moses Sumney recentemente escreveu um artigo na Pitchfork criticando as revistas e sites especializados em música por classificar artistas negros apenas na caixa do R&B não dando o devido valor aos diversos pretos artistas que criam novas fórmulas, mas acabam não alçando reconhecimento pelo feito. E é em cima da originalidade que seu mais recente trabalho Aromanticism é construído. Não há caixas que comportem a criatividade de Sumney, suas referências vão do jazz, pop-barroco até o minimalismo em uma explosão sensível de canções que definitivamente tocaram meu coração este ano. 

1. Truth is a Beautiful Thing - London Grammar



London Grammar não apareceu nas maiorias das listas de melhores álbuns do ano, e sinceramente isso não tem tanta importância, porque no meu coração eles definitivamente ocuparam o primeiro lugar em 2017. O registro de Truth is a Beautiful Thing com quase duas horas de duração (escrevi sobre o disco aqui) é um dos álbuns mais bonitos que já ouvi na vida. Musicalmente, poucas coisas me deram tanto prazer quanto ouvir, por exemplo, os instrumentais aliados à incrível e poderosa voz de Hannah Reid na INCRÍVEL Hell to the Liars. 


Estes foram os meus companheiros (internacionais) do ano. Quais foram os seus? Quais músicas te salvaram este ano? 

Obs.: fiz uma playlist com todas as melhores músicas dos álbuns citados acima mais alguns nacionais que serão pra o próximo post de melhores álbuns nacionais do ano. Dá uma ouvida aí! 


segunda-feira, 27 de novembro de 2017



A história parece clichê: um escritor frustrado, em crise de meia-idade, casado com uma mulher por 25 anos com a qual tem 4 filhos, de repente se vê envolvido, numa viagem de família ao interior, com uma garçonete, também casada.

Seria realmente uma típica novela das nove se não fosse pela genialidade criativa na forma como a série é escrita, dirigida e no quanto que a narrativa nos oferece mais do que estereótipos: são dores intensamente humanas, são histórias visceralmente humanas.
A série segue a estrutura de contar a história por duas perspectivas de um mesmo acontecimento por episódio e este o grande diferencial: não há repetição de cenas, de acordo com a visão do personagem alguns detalhes mudam, seja na roupa, seja nos gestos, seja na impressão causada, seja no toque... É a memória, com toda a sua fragilidade, fugacidade e traços de nossa visão de mundo, que desenha a linha que nos conduz à história.
É a memória que constrói não apenas uma cena, mas a visão daquele personagem sobre si mesmo e sobre o outro.
Por essa memória descobrimos Noah Solloway, um homem bem casado que ama Helen, sua esposa, e os quatro filhos, mas se vê num limbo existencial quando não atinge suas próprias expectativas como escritor e como pessoa e quando não atinge as expectativas da família de Helen, rica e controladora.  Noah é honesto, fiel e entende que casou com o primeiro amor da sua vida, mas há vestígios em si que carregam um desejo incontrolável por algo a mais e é neste momento em que Alison aparece.
Pela memória de Noah, Alison é descrita como uma mulher sedutora, que faz do mistério, seu charme, livre e encantadora, e que não sente nenhum remorso ao buscar trair seu marido... Nas partes em que estão juntos, ela é a provocadora, ele é o bom moço que "resiste' à tentação.


Mas é aí, justamente aí que The Affair alcança outros patamares. A visão de Noah não corresponde exatamente à realidade e ao mesmo tempo é a realidade. Não estamos falando de uma série que apresenta uma verdade objetiva, mas de várias verdades sendo construídas pela memória, pela visão de mundo dos personagens e pelo que parece ser mais conveniente a cada um omitir, esconder, distorcer...  Nenhuma perspectiva é real, e ao mesmo tempo todas são.
Ao conhecermos Alison de sua própria perspectiva, entendemos que ela é uma mulher que carrega dentro do peito a dor de ter perdido o filho em um casamento que parece não estar mais se sustentando, já que ambos estão devastados pela culpa, pela saudade e pela sensação de luto. Alison é insegura, não tão confiante e não consegue ver sentido na sua vida em Montauk, em todo modo de viver praiano, no seu emprego, na sua casa, lugar de recordações dolorosas e nos olhos, corpo e tatuagem do marido, Cole, por tudo lembrar seu pequeno filho Gabriel, que morrera num afogamento. A atuação de Ruth Wilson interpretando Alison é uma das melhores coisas já vistas e nos faz sentir, como numa pontada de faca no coração, cada fio de dor que envolve Alison até quando não consegue pronunciar palavras por hesitação.


O affair entre Alison e Noah, refúgio para suas cansadas vidas é um retrato de algo mais profundo que acontece nos dois personagens: ambos anseiam por algo a mais e pouco a pouco vão tomando escolhas para saciar a sede do sentido que, como um furacão, destrói violentamente cada pessoa ao redor de suas vidas e até aquilo que pensavam ser.
Com o passar do tempo percebemos que na felicidade do amor proibido dos protagonistas, máscaras caem: o desejo, a mentira, a traição, a manipulação transformam-se em instrumentos para obter essa felicidade que, na visão dos dois, não pode mais ser sufocada pelos parâmetros construídos até aqui e que tinham causado tanto sofrimento a ambos.
Por esta razão, Helen e seus quatro filhos se veem em uma estrada intensa de sofrimento, de sensação de perda, de mágoa reprimida entre os filhos com os pais, de verdades sobre si mesma refletidas na explosão imoral do marido. Helen vê que não o controla mais e que todas as suas expectativas de felicidade e amor, em um casamento que começou como conto de fadas, não era aquilo que pensava. Pouco a pouco a frustração, a sensação de não ser suficiente, a insegurança vão tomando conta de uma mulher que antes era admirada por sua força e autocontrole. Seus filhos, principalmente os mais velhos, Martin e Whitney vão cada dia mais tomando decisões que refletem suas respectivas mágoas contra Noah em uma violência de silêncios e insensatez como resposta ao casamento desmoronado dos pais.



O rastro de destruição causado pelo affair também revira a vida já bagunçada o suficiente de Cole Lockhart,  um homem aparentemente seguro, profundamente introspectivo, que carrega nos olhos a dor da perda de seu filho, mas sublima a saudade com uma aparente vontade de seguir em frente, o que é motivo de mágoa em sua esposa, Alison: a dor não é falada, o desconforto, o luto não são assuntos e sempre parece haver entre os dois um abismo de entendimento, de cumplicidade que desagua em um casamento de desconhecidos solitários após a perda do filho. Cole ama Alison de forma quase espiritual, mas os dois nunca conseguem romper com a barreira que o luto causou em suas vidas. Como resultado, o vemos cada vez mais conformado com a "maldição" de sua família, de seu nome, de sua vida, cada vez mais entregue ao seu próprio silêncio, onde só os olhos conseguem dizer de verdade o que sente. 




E mais uma vez, a memória faz o seu papel fundamental na estrutura narrativa, enquanto, mais para frente, precisamente na segunda temporada, vemos a perspectiva de Alison sobre Cole: ela o vê como alguém duro, frio e impessoal (às vezes até assustador), na perspectiva de Cole ele se enxerga cada vez mais afundado na tristeza por ter perdido algo que ele pensava ser para sempre. Alison enxerga-se insegura, enquanto vê Noah um homem confiante, charmoso e capaz de lhe dar aquilo que procura dentro dela; Helen vê os defeitos de Noah, mas o perdoa insistentemente, em um amor que rasteja aos pés; Noah enxerga em Helen uma mulher presunçosa, e talvez por seu peso de consciência, omite todas as suas qualidades para sentir-se bem. 


E é nesse ínterim que apesar de facilmente odiado por todos que assistem, Noah se apresenta como o personagem, juntamente com Alison, mais complexo da narrativa: o afã de ser grande, de conquistar tudo, de superar a frustração de 20 anos adequando-se ao que os outros queriam dele, de afastar-se em mágoa do pai e ao mesmo tempo transformar-se no que mais detestava, que Noah nos presenteia gradualmente com sua derrocada; da glória da ilusão de juventude com Alison, da glória do ego amaciado por elogios e pelo amor de uma mulher mais jovem até a plena consciência de toda a dor que causou naqueles que mais amou na vida e do quanto esses caminhos traçados não oferecem opção de volta. 





O poder da memória na narrativa é mais do que a lembrança pura e simplesmente; é se utilizando da fragmentação dessa memória que The Affair entrega um dos melhores dramas da atualidade, porque é na fragmentação que, assim como o crítico literário Antônio Cândido diz, nós somos capazes de criar ficções. E se tudo é ficção o que é verdade? E se o romance escrito por Noah baseado em seu caso com Alison é, como incansavelmente é defendido por ele, uma ficção, o que seria a realidade de fato?

Não existe a verdade objetiva nos nossos trajetos aqui na vida; não existem os bons moços e nem os maus, na aparente história clichê de novela, The Affair escancara um drama cru, honesto e humano sobre nossa condição, nosso ego, nossas escolhas como efeito borboleta e nossa busca desenfreada pelo sentido de existir.