sexta-feira, 10 de agosto de 2018

3 DOCUMENTÁRIOS DISPONÍVEIS NA NETFLIX PARA REPENSAR MISOGINIA


ATENÇÃO: ESTES DOCUMENTÁRIOS INDICADOS PODEM CONTER GATILHOS POIS ABORDAM TEMAS COMO ESTUPROS, RELACIONAMENTOS ABUSIVOS, VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E AGRESSÃO FÍSICA.


De maneira informal cheguei a um artigo que expunha as verdades inconvenientes sobre a indústria pornográfica e mais uma vez fiquei chocada com o nojo que significa todo esse sistema de satisfação masculina em prol da exploração de mulheres (É esse texto aqui que eu falo. É possível ver como a indústria pornográfica molda a masculinidade tóxica, a violência contra as mulheres e até facilita à pedofilia, e não, não é um texto moralizante; existem dados e fontes comprovadas de pesquisas sérias). Após esse artigo, fui levada a documentários que apresentavam a temática e logo após as sugestões da Netflix me fizeram assistir outros, em pelo menos três deles eu senti uma profunda conexão: todas as indústrias de exploração humana como: pornografia, tráfico sexual e prostituição partem de um mesmo ponto: misoginia. 
Misoginia é a incapacidade de ver mulheres como seres humanos, é o desejo de entendê-las como menores, piores, objetos, animais e, dentro de nossa sociedade, instrumentos para o prazer, aceitação, admiração do homem. 
Dentro dessa visão, assim como no roteiro de The Handmaid's Tale, estamos presas a narrativas criadas por homens em que podemos ocupar o espaço de dignas de respeito (e aqui o respeito não está na humanidade intrínseca, conceito judaico-cristão para quem é conservador e adora falar sobre isso, mas em critérios que fazem uma mulher ser "respeitável".). As não dignas de respeito estão no rol das sujas, depravadas, vadias... Por causa disso, tá tudo bem serem objetos, tá tudo bem serem abusadas, tá tudo bem serem exploradas, estupradas, afinal, não alcançaram os critérios para serem vistas como humanas. 
Exatamente por esta visão, considera-se a prostituta e a atriz pornô, por exemplo, como as não dignas de respeito, as merecedoras de humilhação, as merecedoras do estupro, da morte, da exploração, afinal, por que escolheram essa vida, não é mesmo?

Acredito que esses 3 documentários servem principalmente contra o argumento de uma corrente do feminismo liberal que acredita ser "empoderador" a mulher estar na  indústria pornográfica (muitas inclusive com a intenção de criar uma espécie de "pornô feminista") ou na prostituição (regulamentando a profissão); pergunto-me com sinceridade se apesar de pesquisas sérias, documentários e investigações comprovando toda a opressão em cima de mulheres e a origem dessas profissões como a de satisfação do ego masculino, existe alguma pequena garota que sonha em ingressar nessas escolhas profissionais. A resposta, acredito eu, é não. E isso porque, por mais empoderador que pareça ser "dona" do próprio prazer, mesmo que a própria pessoa acredite, a razão das profissões e das indústrias de prostituição e pornografia são exclusivamente para prazer masculino vendo na figura da mulher um objeto a ser usado. É mais do que o ato sexual ou a natureza desse, é sobre poder e controle que não pertencem às mulheres, nem se pensassem em maneiras de "mudar a estrutura", já que se existe estrutura, ela já está fechada e completa no objetivo. 

"Hot Girls Wanted" (2015, Netflix) - Jill Bauer , Ronna Gradus 



O documentário, exibido no festival Sundance, revela como um agente de filmes adultos amadores, recruta garotas. O perfil delas obedece a um padrão: os anúncios são colocados em um site online (no EUA, Craiglist e Backspage, segundo esse e outros documentários) e elas geralmente são garotas de cidade pequena, vislumbradas com a possibilidade de ganhar muito dinheiro e irem para a cidade grande em busca de grandes realizações ou vem de lares desajustados, lidam com dependências emocionais e baixa auto-estima. Na maioria das vezes, pensam que estão respondendo a um anúncio para serem modelos, mas ao lidarem com a oferta tentadora do agente Riley de ganhar em uma cena o que ganhariam em um mês de trabalho formal, as quatro garotas: Tressa, Rachel, Brooklyn e Lucy Tyler aceitam o desafio. 
No começo tudo parece ser muito promissor: muito dinheiro em pouco tempo, mas logo após elas percebem que não tem escolha, autonomia e se submetem a humilhações e degradações. Impossível ver a indústria como empoderamento após esse documentário. 

"I am Jane Doe" (2017, Netflix) - Mary Mazzio 


Nesse intrigante documentário, acompanhamos a luta de várias famílias contra um site de anúncios chamado Backspage, responsável pela facilitação de tráfico de crianças.
O filme mostra como traficantes sexuais se utilizavam da seção adulta de anúncios para venderem garotas raptadas para fins de pornografia infantil ou prostituição infantil. 
Protegendo-se pela Primeira Emenda da constituição, artigo 230, que garante a isenção de sites para publicação de terceiros, os donos da backspace começaram a lucrar bilhões a partir da facilitação de tráfico infantil para exploração sexual. 
É de partir o coração ver todas as famílias e garotas, que no filme já são jovens adultas, com as vidas completamente destruídas após os atos criminosos.
Felizmente o governo no mês de abril desse ano (aproximadamente 9 anos depois) fechou o site oficial, mas ainda está a passos pequenos para a condenação dos responsáveis. 

"Tricked" (2013, Netflix) -  John Wasson; Jane Wells




Os palavrões e ofensas com intenção de agredir a mãe alheia sempre está no imaginário da prostituta. Essa figura que é a profissão mais antiga do mundo, segundo falam, sempre habita dois pólos no imaginário: a mulher sem valor e a que pode ser salva por algum homem decente; quem lembra de "Uma linda mulher" com Júlia Roberts e Richard Gere? Não era lindo ver de uma "mulher da vida" se apaixonando pelo seu cliente e sendo bem tratada por este, vendo nele o salvador de sua má conduta? (aliás, pouco se criticava a intenção de comprar o corpo daquela mulher vindo do galã), bem, "Tricked" vem colocar por água abaixo essa idealização. Contando a história a partir de depoimentos de ex-escravas sexuais, o documentário mostra como a estrutura da prostituição se dá a partir do aliciamento (muitas vezes por rapto, como no caso da maioria das entrevistadas), manipulação e exploração gerando o lucro do cafetão e prazer do cliente. Em nenhum desses processos a garota de programa é beneficiada. O jogo é muito bem orquestrado por esses traficantes de mulheres/cafetões: eles aliciam (ou raptam) garotas jovens, muitas vezes crianças, a partir das vulnerabilidades emocionais (e nos tempos modernos isso se dá por redes sociais em que crianças ou garotas jovens têm acesso); fazem-nas acreditar que estão dentro de um relacionamento romântico e logo após obrigam-nas a trabalharem na rua, tendo o lucro revertido para eles. O negócio lucra 3 bilhões por ano nos EUA e cafetões enriquecem. O que mais dificulta a polícia é que a maioria das prostitutas, presas em relacionamentos abusivos, acabam não tendo coragem de denunciar, muitas por considerarem ser amadas pelo cafetão, outras por medo e algumas por acabarem se envolvendo em atividades criminosas ou vício em drogas. "Tricked" é uma bomba dentro da nossa idealização e discriminação acerca da figura da prostituta, na esmagadora maioria das vezes, escrava sexual. É uma pergunta dolorida se é fruto da liberdade sexual das mulheres ou, na verdade, mais uma maneira de oprimi-las e massacrá-las. 

Depois desses três documentários nunca mais olhei e entendi o assunto da mesma forma. Diariamente isso acontece e é aterrador pensar que normalizamos uma cultura que se torna insensível às vozes de tantas meninas e mulheres sofrendo por não serem vistas como seres humanos. Definitivamente, acredito eu, você também não sairá ileso depois de assisti-los.

Obs.1: obviamente a partir de 3 documentários não é possível dar conta de todo um complexo sistema, o objetivo não é esse. Existem exceções; existem as escolhas e as outras formas de tratamento, por exemplo, dentro da indústria pornográfica. A problemática que os documentários trazem está em tentar questionar, baseando-se em evidências, depoimentos e do que é de praxe acontecer dentro desses mundos, o porquê de tudo; a origem dessas formas de entretenimento e profissões e até o que isso têm em comum, na minha visão, com tráfico sexual e cultura de estupro; são mais perguntas do que repostas, apesar de, pessoalmente, eu acreditar que a resposta está no desejo do que é forte poder controlar o que, dentro da nossa sociedade já é fragilizado: a figura feminina e a figura da criança. 

Obs.2: As pessoas sempre questionam as exceções das escolhas das profissões, por exemplo. Sim, é possível que existam pessoas que não caibam no perfil das atrizes e das prostitutas e que escolham livremente as profissões e até politicamente como ato de liberdade sexual, como já vi algumas afirmarem; a grande pergunta é se existe realmente essa liberdade de escolher racional e politicamente, sabendo do poder simbólico que há na compra ou entretenimento comprado do corpo de uma mulher dentro da nossa sociedade. Não seria estranho, se me permitem a péssima comparação, um tigre já liberto do cativeiro usar de sua liberdade para conscientemente voltar ao cativeiro, afirmando ter autonomia do próprio cativeiro? Não sei. Pode parecer uma comparação desonesta e talvez seja porque o mundo e as relações humanas são demasiadamente complexas, mas são questionamentos que valem a pena pensar e repensar para que, talvez, tenhamos um mundo com olhar mais humano e menos aniquilador. 

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