Questões
e conceitos acerca do que seria a Arte e, consequentemente, obra de Arte, são
debatidas desde que nos entendemos por gente, e como produção essencialmente
humana, a definição para o conceito termina sempre por beirar o aberto, o
incompreensível.
Mas
há de se destacar que uma das grandes características que difere o objeto da
obra de arte é o que aquela provoca no que aprecia. Um objeto é usado para o
cotidiano e, como diria o crítico literário Octávio Paz, a Arte transcende o
objeto e, de forma violenta, faz com que aquela produção nos insira além da
praticidade do dia-a-dia. Por muitos anos, calcados sob uma perspectiva
artística greco-romana, o entendimento de obra de arte se resumia no Belo e
Bom, o sublime. Apenas o sublime em suas categorizações de valor é que
definiria uma obra artística, mas este tipo de pensamento, com o passar do
tempo veio a enfrentar a aparição do grotesco, a utilização de temas
considerados negativos na produção artística.
O
que se entende hoje por Arte antes compreende que o conceito depende da
mentalidade histórica de um povo e que, por esta razão é um livro aberto, mas
ainda conserva a definição primitiva de que o objeto só transforma-se em Arte
quando provoca algo em quem aprecia, seja no aspecto belo ou grotesco, sublime
ou reflexivo. Arte instiga.
E
dentro da inquietante constatação do que nos provoca uma verdadeira Obra de
Arte se encontra o álbum de estreia “Pedra em Carne” do músico Gabriel
Iglesias, integrante do selo LG7 (assim como Estevão Queiroga e Felipe Valente)
no casting da Sony Music Gospel. Iglesias, como artista, apesar de transparecer
sua confissão cristã em toda a sua obra, assim como no próprio conceito do
álbum “Pedra em Carne”, muito se afasta do que seria a linguagem do Gospel (que
mais do que um mercado, é um movimento dentro do cristianismo evangélico
brasileiro). O que Iglesias traz em sua obra, instiga, provoca e choca um
público acostumado com fórmulas prontas em músicas que compreendem chavões
religiosos e modelos instrumentais pré-concebidos, e por esta razão, acredito
que, definitivamente, o jovem músico não se encaixe na linguagem e nem na
“estética” do Gospel brasileiro. Isso é perceptível com a grande discussão em
cima do videoclipe conceitual (belíssimo) da música “Jeremias”, dirigido por
Matheus Siqueira com locações de se encher os olhos na Catalunha.
Trazendo
um repertório construído a partir de uma linha narrativa baseada em Jeremias
31:33, o disco, antes do conceito, revela a alma musical de Iglesias, tendo
todos os instrumentos executados por ele mesmo, assim como os arranjos e letras
das músicas (em algumas letras, contando com a participação do irmão Lucas
Iglesias, teólogo e também músico) e influências do eletrofolk, post-rock e indie-folk. A alma musical de Iglesias se escancara a
partir da vulnerabilidade exposta na própria forma de se gravar e produzir,
quase de forma caseira, experimental, orgânica, tal qual “For Emma, forever
ago” (2008) de Bon Iver. O caminho da
vulnerabilidade á plasticidade dos grandes estúdios se deu conscientemente por
ser um suporte adequado à poderosa tônica narrativa, divida em três partes: a
Lei, a Pedra, a Carne; três compartimentos que revelam a vontade de Deus e a
resposta humana diante da voz de Deus.
A
discussão existencial do profeta diante do que era e do que poderia ser,a
partir do momento que obedecesse à voz de Deus é a grande mensagem do disco.O
que Iglesias propõe, choca, instiga e provoca não apenas na linguagem musical
mas por apresentar o ser numa perspectiva agonizante que nos
coloca como o próprio Jeremias angustiado por carregar uma mensagem de
destruição a um povo que amava e não se reconhecer digno de tal mensagem.
Jeremias é a figura simbólica que representa o homem que só é quando obedece, que só existe porque
ouve ao Deus que promete a aliança de encarnar a Lei e de nos habilitar para
Sua vontade. Mais do que canções, há uma pregação expositiva de todo o plano
Eterno para o homem e o quanto isso implicará na sua concepção de si mesmo
diante do mundo, contrapondo-se ao existencialismo de Sartre, “o ‘você é’
antecede o ‘eu sou’”, encarnar a Lei, crendo por fé no Deus que se fez Carne
para que isso fosse possível, é admitir que existir de verdade é, antes de
tudo, uma constante tensão.
NOTA: 4,5/5
NOTA: 4,5/5