quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

3 RAZÕES PARA VOCÊ ASSISTIR A ESSAS 2 COMÉDIAS




Desde a poética de Aristóteles acerca das modalidades artísticas gregas, a comédia era vista como algo inferior à tragédia por não causar o efeito catártico, não privilegiar a jornada do herói por uma causa nobre e comum e por não argumentar sobre temas profundos. Acontece que, com a mudança dos tempos e dos estudos acerca das modalidades artísticas, Bakhtin enxergou na comédia algo revolucionário: o aspecto da carnavalização, que é o poder de desconstruir todas as convenções sociais, criticando-as ou potencializando-as. É da comédia o poder de colocar o dedo na ferida e, de fato, transformar ou incomodar o status quo. É da comédia que nasce a desconstrução do herói, reduzindo-o ao que é: um ser humano cheio de conflitos, pego em situações comuns, mas tão cheias de emoção quanto qualquer tragédia. 
Pensando na importância da comédia e do poder criativo de não ter regras, muitas obras no cinema e na tv foram revolucionárias para ler o seu tempo e nos dar uma visão ampla sobre quem somos a partir da comicidade e da condição de rir das nossas misérias, indico hoje duas comédias em exibição (e, claro que existem muitas outras que devem até ser bem melhores do que as que vou citar, mas ainda estou para assistir) que, com certeza merecem sua atenção.


The Good Place (NBC)
A produção da NBC, exibida pela Netflix aqui no Brasil, criada por Michael Schur e estrelada por Kristen Bell, está dando o que falar não apenas pela temática em si, mas pela originalidade na trama. Acompanhamos aqui a história de Eleanor Shellstrop que após a sua morte vai para o Lugar Bom, que diferente das convenções religiosas de divindade, à priori, privilegia e contabiliza (literalmente) as ações humanas em uma moral absoluta. Dessa forma, existe também o lugar ruim para onde são enviados os humanos que não fizeram boas ações na terra e não contabilizaram boas ações. 
Tudo estaria ótimo se não fosse um porém: Eleanor definitivamente não merece estar no lugar bom e percebe que foi colocada lá por engano, agora o que resta é fazer de tudo para não ser descoberta. 

Primeiro motivo para ver: Vida pós-morte

A forma como a vida pós-morte é apresentada, foge completamente do lugar comum e instiga o espectador a descobrir o que está acontecendo e a discutir assuntos relacionados a eternidade da alma. Dificilmente você verá este tópico de forma tão original quanto nessa série. 

Segundo motivo para ver: Moral e existencialismo

Incrivelmente, como falei no início do texto, a comédia tem o poder de discutir assuntos profundos enquanto nos faz rir. E The Good Place é campeã nisso quando nos põe a pensar sobre a raiz de nossas ações, sobre a filosofia moral de Kant, a consciência humana e as consequências de nossas escolhas na vida de outras pessoas, o que de fato seria uma ação boa ou ruim e ao mesmo tempo nos faz dar gargalhadas com referências à cultura pop e críticas às situações atuais. The Good Place também argumenta sobre o significado de nossas ações, de nossa autoconsciência e de nossa índole com a constatação da morte e do fim e com isso traz questionamentos próprios do existencialismo. 

 
Terceiro motivo para ver: Plot Twists 

Acredito que esse seja um recurso que faz com que você, DE FATO, assista a The Good Place. Dificilmente em comédias o recurso da reviravolta é utilizado. Uma sitcom, que é o formato de comédia de situação na qual a maioria das comédias se ampara, usar o plot twist pode tornar a situação incomum e não crível, mas em uma comédia como The Good Place, cujo o tema e a execução são completamentes originais e fora de comum, a reviravolta (plot twist) é um recurso que alavanca a qualidade da série e instiga o espectador a cada vez mais conhecer e se surpreender com o que está para acontecer, já que é completamente imprevisível. 

Jane, The Virgin (CW)

Produzida pela pequena emissora CW, com duas temporadas das quatro (até agora) exibidas pela Netflix, Jane, The Virgin é uma adaptação americana da novela venezuelana Juana, la virgen.  
A série acompanha a história de Jane Gloriana Villanueva, uma garota de 23 anos que sonha em ser escritora e mora com a avó Alba Villanueva, uma imigrante (ilegal e sim, a série falará sobre isso de forma muito sensível ) e sua mãe Xiomara Villanueva, uma mulher livre que mais parece ser filha de  Jane por suas imprudências.

<3>Aos 10 anos, Jane fez uma promessa à avó de que só perderia a virgindade após se casar e isso nos leva ao centro da história. 
Jane é noiva do detetive Michael Cordero, um rapaz que a ama e respeita sua promessa, mas em um belo dia, quando está para fazer um procedimento normal com sua ginecologista, que é Luísa Solano, uma alcóolatra, Jane acaba sendo inseminada artificialmente por engano.
A partir daí a vida de Jane muda e ela se torna uma mulher prestes a ter um filho, mesmo virgem! (vê que loucura hahaha).

Primeiro motivo para ver: Elenco latino
 A maioria dos atores presentes na série, da produção e da direção são de origem latina e só por este fato é importante assistir, já que estamos em uma série com muita representatividade disposta a tocar em assuntos espinhosos num país como os EUA, construído por imigrantes, mas altamente xenófobo. Jane é interpretada por Gina Rodriguez, que foi a primeira mulher latina a ganhar um globo de ouro (inclusive por essa série). Sente o poder! (um dos melhores personagens da série, Rogélio de La Vega, e, na minha opinião, um dos personagens mais engraçados de todas as comédias, é interpretado pelo Jaime Camill, que já é um rosto conhecido pra nós brasileiros, principalmente os que, assim como eu, cresceram com as novelas mexicanas exibidas pelo SBT.).

Segundo motivo para ver: Dramalhão de telenovela latina
  
Estamos em uma série que, como falei no início quando apresentei o aspecto carnavalesco do gênero comédia, utiliza-se do exagero da telenovela latina (e de que é fruto, já que é uma adaptação cômica de uma novela dramática venezuelana) para tirar sarro de si mesma como uma espécie de paródia, rendendo boas gargalhadas ao mesmo tempo em que nos prende com o que realmente dá certo em telenovela: a SUPER reviravolta, o exagero de emoções mesmo em situações pequenas e o triângulo amoroso. Ou seja, Jane the virgin é uma série que ousa rir de si mesma utilizando a fórmula da telenovela latina, seja para tirar sarro da confusão que a própria história é ou seja para nos emocionar e nos surpreender com a doçura e alta carga dramática das histórias e dos surpreendentes desfechos. Um prato cheio!

Terceiro motivo para ver: A CRIATIVIDADE TÉCNICA!


 Sim, eu escrevi esse terceiro motivo em caps lock porque acredito que esta seja a razão mais urgente para assistir Jane, The Virgin. Eu digo com toda a certeza  que poucas vezes eu vi tanta originalidade e criatividade na forma de contar uma história como eu vejo aqui. A sinopse da série já é chamativa por si (aliás É UMA GRÁVIDA VIRGEM, NÉ!!!), mas a forma como a história é contada é de encher os olhos. 
Por um lado nós temos o aspecto SUPER telenovela de um narrador INCRÍVEL que conta a história, participa, intervém e dinamiza a trama de uma forma que se torna uma espécie de personagem. Por outro lado nós temos cores vivas, expressivas e alegres no cenário, nas roupas, nos detalhes, na arquitetura, para indicar o que seria o aspecto latino da série. Também se tem a imaginação criativa da personagem Jane que possibilita para a direção a adição de comentários escritos na tela, de personagens imaginários, de alter-egos, todos convivendo e sendo instrumentos para o fluxo de consciência da personagem que a todo tempo convive com a realidade da história contada. O que a série faz é exibir através desses recursos técnicos de roteiro, direção, edição e montagem, o imaginário sonhador e apaixonado de uma personagem como Jane Villanueva, que representa o imaginário latino de sonho e paixão, utilizando do que mais amamos: as novelas e todas as suas quase absurdas reviravoltas para contar uma história sobre nós!
Essas foram as três razões para duas comédias que eu estou completamente viciada no momento. 


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