sábado, 24 de fevereiro de 2018

A HONESTIDADE DOLOROSA EM "CONFISSÕES" DE JEFERSON PILLAR




Para quem cresceu e convive com o meio religioso sabe que com o tempo, a repetição e o rito acabamos criando muita facilidade para a performance. 
Na performance não há espaço para o desconforto de se expor e nem o desconforto de ouvir o desabafo do que realmente se está sentindo. Simplesmente se assume um papel e finge-se que está tudo bem e assim o tempo passa até nos esquecermos de quem somos e no porquê cremos no que cremos.

Com o tempo, tudo o que acreditamos e pensamos não são mais colocados como fundamentos e significados para a existência, porque quanto mais perto da performance, mais longe da essência. 

E é exatamente sobre essa premissa que Confissões (2018), lançado no dia 5 de fevereiro pela Novo Tempo se ampara. 

O álbum é curto e contém 7 músicas em uma coesão temática e musical que fazem cama para as letras altamente honestas de Pillar, assim também como uma capa sugestiva de uma ovelha desenhada, talvez para representar o cerne lírico do disco: somos todos ovelhas desgarradas.



Reina, canção que abre o disco, apresenta um folk minimalista como base para uma oração sincera sobre a sensação de enfado de alguém que cansou de não ser aquilo que o Pai deseja, em um refrão que pede o Reino de Deus na vida do eu lírico. 

Fantasias, para mim a melhor canção do álbum, segue com o folk de Reina, tem a mesma a linha temática da canção "Sentido" do disco anterior de Jeferson que aborda a busca por identidade, mas aqui entendem-se as fantasias usadas como a capacidade performática da religião em contraste com o atual estado de quem canta: "meu quarto está uma bagunça". É de ouvir e sentir pontada no coração de tanta sinceridade exposta. 

Eu vilão, terceira faixa, difere sonoramente das duas primeiras e do restante do álbum por ser algo mais puxado para o pop/rock-canção, mas tematicamente ainda apresenta a honestidade das duas primeiras e por estar em uma roupagem mais rock, a letra é ainda mais enfática e ácida: "sou meu bandido/ meu ladrão/ meu assassino/ meu vilão, minha pedra de tropeço/mas eu não me quero mais/estou tentando dar adeus pra mim/e seguir só o Teu caminho".

Quem me dera, quarta faixa, acompanhada de arranjos de piano em uma melodia melancólica é a roupagem perfeita para uma espécie de oração quebrantada cheia de lágrimas e arrependimentos. Impossível não ser tocado pela sinceridade de uma oração que admite a dificuldade de alguém que quer ser diferente, mas nunca consegue chegar ao que deveria. Lentamente a canção que no começo é apenas uma balada com piano, cresce para uma balada pop/rock ainda colocando em evidência a melancolia da canção. 

Tempo, juntamente com Eu Vilão é a que mais se difere sonoramente das demais, mas mesmo assim percebe-se que há uma coesão sonora no disco que dança entre os pólos de folk e pop/rock. Tempo é mais uma canção nostálgica mas com uma instrumentalização mais alegre, que fala dos arrependimentos de não ter aproveitado o tempo para desfrutar de momentos importantes. 

Aprisco, possuindo relação temática e sonora com "how he love us" de John Mark McMillan, Aprisco talvez seja o resumo encontrado na capa e que explica o disco todo: é uma oração de uma ovelha desgarrada, prestes a desistir, cansada o suficiente para não conseguir mais voltar para o aprisco, até ser encontrada pelo amor insistente do Pastor. Talvez seja uma das melhores canções para explicar o que seria a Graça de Deus e o momento em que Ele nos encontrou. Com belíssimos arranjos de cordas juntamente com violões de folk e piano, é uma das mais belas e emocionantes do disco. 

Capital encerra o disco de forma esperançosa e funciona como o último estágio da narrativa descrita no álbum. Se no começo há a confissão, logo após há o arrependimento e a volta para o aprisco, que se finaliza com a esperança irredutível de que há um lugar onde não seremos mais tão inconstantes e viveremos felizes com Deus. A esperança sonora e lírica da canção leva-nos a uma sensação de alegria produzida não apenas pela letra, mas também pelo folk-pop da canção.

Apesar de optar por sonoramente contrastar o folk limpo e a balada pop/rock, o que talvez tenha soado como falta de coesão sonora de uma canção para outra, acredito que em muito tempo não escuto um disco de confissão cristã com tanta honestidade e sendo capaz de abalar com a estrutura filosófica da música cristã que prioriza a performance. 
Vale a pena ouvir, orar e se arrepender com "Confissões", quem sabe fazendo das orações sinceras de Jeferson Pillar, as nossas. 

Thai indica: Reina, Fantasias, Quem me dera e Aprisco.
Nota: 8,9.

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