sexta-feira, 21 de julho de 2017

A VERDADE DOLOROSAMENTE BONITA DE "TRUTH IS A BEAUTIFUL THING" (2017) - LONDON GRAMMAR

Da esquerda para a direita: Dan Rothman, Hannah Reid e Dot Major.


Lançado no dia nove de junho de 2017 pela Metal & Dust e Ministry of Sound, o segundo álbum do trio de trip-hop e indie pop London Grammar, “Truth is a Beautiful Thing”  chega ao mundo com a pretensão de contar histórias melancólicas a partir da atmosfera etérea de sonho de seus arranjos e da belíssima voz de Hannah Reid.


Contando com uma equipe grande de produtores, entre eles Tom Elmhirs, conhecido por seus trabalhos ganhadores de Grammy com artistas como Amy Winehouse, Adele e Beck, “Truth is a Beautiful Thing” apesar de longo – o álbum possui mais de uma hora de música – possui uma coesão sonora tão bem construída que faz com que o ouvinte esqueça dessa pequena falha.


Minha história com London Grammar não é tão antiga. Conheci a banda através de uma prima com a música “Strong”, um dos primeiros trabalhos do trio, e lembro perfeitamente com o quanto fui cativada por toda aquela atmosfera melancólica acompanhada de beats, enquanto a voz exótica de Hannah Reid entrava pelos meus ouvidos. Desde então, tenho guardado London Grammar no meu coração e acompanhado cada passo de Hannah, Dot Major e Daniel Rothman.


E dentro dessas andanças de fã, na madrugada do dia oito para o dia nove de junho, estava eu atenta aos lançamento do disco no spotify e, mesmo já tendo ouvido a primeira canção, “Rooting for you”, por ter sido o single, o impacto da música, executada com poucos instrumentos e quase totalmente voltada para a voz da vocalista, encheu meu peito.

Capa do disco "Truth is a Beautiful Thing" (2017).


Há, de maneira sutil na canção, uma imagem profética de toda a estrutura “narrativa” do disco: a verdade como algo dolorosamente necessário. A verdade de saber que o outro não corresponde aos seus sentimentos, mesmo quando se sabe do pouco que recebe e da solidão que um relacionamento não recíproco provoca.


A dor da rejeição continua em “Big Picture”, mas ao contrário da canção anterior, aqui há uma constatação da frieza da pessoa amada e do quanto isso afetou a voz lírica. Uma atmosfera dream pop é criada gradualmente pelos programadores e beats sutis e rufados de Dot Major, pelos efeitos reverb na voz de Hannah e a guitarra climática de Daniel Rothman, proporcionando talvez o contraste entre a letra e a música que definem o álbum: frieza e docilidade; dor e beleza.


Notas no piano Rhodes são executadas enquanto sombriamente a voz de Hannah anuncia: O sol sufoca a atmosfera/Mas estou a salvo com você longe de você/Outro incêndio através de outra porta aberta/É o que eu estou vivendo”. Estamos diante de “Wild Eyed”. A dureza de se estar solitário em um relacionamento é dramaticamente desenhada pelos arranjos climáticos dos beats e riffs em uma canção de quem sente o peso de não saber mais o que esperar quando se ama alguém, não mais o conhecendo: “oh, quais são os seus sonhos?”.


Em seguida somos apresentados a mais um single do álbum, “Oh Woman oh Man”, que tem alcançado sucesso por ser um bom exemplo do que London Grammar faz: trip-hop de primeira. A trajetória narrativa aqui, depois da frieza percebida em “Wild Eyed” ancora em uma constatação de que o outro está desistindo ao mesmo tempo que brinca com a palavra woman e a expressão oh man por serem parecidas sonoramente, para enfim questionar: você está me abandonando, mas não sou eu que escolho você? (“Woman choose your man/Do you really understand?/Do you really understand?”).


Se é sob o conceito de honestidade que esse álbum se ancora, “Hell to the liars”, com certeza, poderia ser o resumo de tudo. A honestidade não está apenas no fato de perceber que se está vivendo em relacionamentos não correspondidos e cheios de vácuos solitários, mas o de reconhecer que se existem culpados, estes fazem parte de você e de mim. Estes são você e eu.



“Hell to the liars” é talvez a música que mais me toca neste álbum. Ela resume em construção sonora e lírica todo o conceito do álbum e traz um dos melhores fins de música que já ouvi na vida. Não tem como não se sentir num sonho ouvindo toda a orquestração do trio londrino e fechar os olhos encantada(o), apesar de perceber que a letra é um verdadeiro tapa na cara.


“Everyone Else” é uma ótima construção de trip hop: beats eletrônicos em evidência misturados a riffs e efeitos programadores enquanto a voz lírica tenta lutar com sarcasmo contra a dor de ser rejeitada.


E é com beats indie pop, trip-hop e sotaque britânico que “Non Believer” inicia; sonoramente com uma atmosfera de indiferença, a canção vai se pintando ao passo que a voz lírica desabafa amargamente sobre traição e infidelidade. Um dos pontos altos é a distorção da voz que cria um clima etéreo e aparentemente monótono para endossar o sarcasmo e indiferença da voz lírica.


Sequencialmente ouvindo o álbum se percebe que há uma linha narrativa linear, desde a primeira percepção de solidão de estar a dois até a descoberta da infidelidade. Em “Bones of Ribbon” há um jogo inteligente lírico de antítese: enquanto a pessoa amada é feita de metal, a voz lírica brinca ironicamente com a expressão “ossos de fita” e, contrastantemente, em força decide que o outro deve ir, usando de sinestesia para comparar as fitas coloridas mudando a cor para descrever a si mesma em transição.


Se em “Bones of Ribbon” há a decisão de um rompimento, em “Who Am I”, uma das canções mais bonitas do disco e do ano, percebe-se a crise de identidade de alguém que esteve tanto no outro que se perdeu. A canção é triste com riffs sutis, Rhodes e a voz melancólica de Hannah, que aqui parece encarnar toda a dor de quem sofre por ver quem ama partir, enquanto questiona o que sobrou de si mesmo.


Who Am I to want you now you’re leaving/Who Am I to judge you now you’re leaving”


Estamos na faixa nove de um álbum que contém dezoito faixas, e assim se percebe que talvez a duração seja um dos únicos pontos falhos na execução da obra, já que ao ouvir pode causar a impressão de que está tudo completo em execução, arranjos e lírica, dando a entender que uma história parece ter chegado ao fim, narrativamente falando.


Mas ainda somos apresentados a “Leave the war with me”, em uma interessante performance vocal de Reid versando sobre uma possível reconciliação, apesar do entendimento de que talvez não haja mais amor na relação.


“Truth is a Beautiful Thing”, canção que carrega o título do álbum, não poderia ser diferente: poderosa, apesar de instrumentalmente simples, a canção é irmã de “Rooting for you”; trazendo elementos semelhantes sonoramente: voz potente e os pianos e programadores, a letra de “truth is a beautiful thing” dialoga com “Rooting for you” no desejo de estar com a pessoa amada, tendo uma única diferença: na primeira canção o desejo existe apesar de fisicamente o outro estar perto, enquanto nesta a saudade é literal, pois o outro não está mais perto fisicamente.

Nas duas canções o conceito de verdade é construído como o mais íntimo desejo de estar perto, de rebaixar-se a ponto de querer estar perto da pessoa amada mesmo que ela não ame de volta. Essa é a verdade almejada em Rooting for You: “E para onde ela foi?/A verdade nos deixou há muito tempo/E eu preciso dela hoje à noite pois tenho medo da solidão com você”, e saudosamente cantada em Truth is a beautiful thing: “Você pode tomar o meu lugar e ficar aqui?/Eu não acho que você levaria essa dor/Você vai ficar de joelhos e lutar sob o peso/Ah, a verdade seria uma coisa linda/Ah, a verdade é uma coisa linda”.




Em “What a Day”, os sussurros e agudos de Reid introduzem a canção enquanto beats e rufes fazem cama para um piano, enquanto há uma espécie de raiva por enxergar o relacionamento como uma mentira. Gradualmente a música vai crescendo e ganhando contornos épicos. Uma bela revolta.


“Diferent breeds” continua a linha narrativa de fim de relacionamento e nos apresenta o encontro dos dois após o rompimento. Há constrangimento, lembranças e dor enquanto a música vai sendo construída como uma boa canção pop. Possivelmente a voz lírica não esqueceu do amado. Em “Control”, no entanto, há a primeira amostra de uma superação (“E acho que isso é controle/Estar esquecendo seu nome”), com sintetizadores que lembram canções pop anos 80 e riffs envolventes.


Por ser um álbum em versão deluxe, a canção seguinte é a demo chamada “Trials” e apenas em piano, versa sobre a complexidade de enxergar o fim do relacionamento, lidar com os sentimentos remanescentes e perceber que eles não são suficientes para sustentar um relacionamento: “Quando estou com você, eu não estou sozinho/Ainda acredito que não seja suficiente”.


“May the Best (church mix)” é uma ótima canção que não deixa claro se o que está acontecendo liricamente é uma reconciliação e o medo de perder o momento em que se está junto de novo ou se é a descoberta de um novo amor juntamente com o temor de que não dê certo, mas claramente se percebe medo do relacionamento. De qualquer forma o que se percebe é que há medo de amar, e que isso implica no risco da perda.


Logo após “May the Best (church mix)”, por ser deluxe, há uma versão demo de Rooting for you, que até a este ponto parece ser a canção-chave de todo o conflito narrativo. A repetição da música dentro do repertório, se atentarmos um pouquinho mais pode significar ainda mais: rooting for you é o símbolo do círculo vicioso de alguém que não consegue esquecer aquela pessoa que tanto amou um dia.


Finalizando o disco de forma grandiosa, temos a canção “Bitter sweet Symphony” em versão live, mostrando o grande talento do trio britânico em executar suas canções ao vivo. “Bitter sweet Symphony” é uma amarga canção que conclui o círculo narrativo (e vicioso) de alguém após um trágico rompimento e que percebe que a maior dor entre todas as sentidas é a de não se reconhecer depois de tudo, é a de perceber que a vida caminha para a morte e mesmo assim não se tem uma clara ideia sobre quem se é de verdade, principalmente quando se está perdido após perder a identidade dentro de um relacionamento. “Truth is a beautiful thing” possui falhas de execução por deixar o álbum longo e talvez levar ao cansativo para alguns ouvidos (porque para mim passou rapidinho), mas consegue entregar um conceito coeso sobre o que propôs fazer. A verdade é dura de ouvir e paradoxalmente a verdade é bonita, porque dentro do contexto da narrativa apresentada, ela é o desejo mais profundo de que todo esse mar de lágrimas entre duas pessoas que um dia se amaram, nunca tivesse acontecido. Que bonita que é a verdade, e que duro de saber que ela já se foi. 


 

Destaques: Rooting for you, Hell to the liars, Who am I, Truth is a Beautiful Thing. 

 

Nota: ****** (excelente!)

Ouça você mesmo! (de preferência enquanto lê).

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